segunda-feira, 8 de abril de 2013

Simplesmente Eu, Clarice Lispector abre Semana do Teatro no Ma.



*Patricia Cunha



“Nada impedirá meu caminho. De qualquer luta ou descanso me levantarei forte e bela como um cavalo novo” (Clarice Lispector). É com essa frase que a atriz e diretora Beth Goulart leva Clarice e sua obra para os palcos no espetáculo Simplesmente Eu, Clarice Lispector. O monólogo, que ela prefere chamar de trabalho-solo, está em cartaz há 4 anos e fará parte da programação de abertura da VIII Semana de Teatro do Maranhão, que acontece hoje, a partir das 20h, no Teatro Arthur Azevedo.
Beth Goulart concedeu entrevista a O Imparcial e falou do processo de criação do espetáculo, da emoção de viver Clarice no palco, mas ao mesmo tempo de viver ela mesma, e de como a obra da escritora influenciou sua vida. “O espetáculo revela não só a Clarice Lispector, mas muito da Beth Goulart que está presente por trás de cada escolha. Como assino a direção e a adaptação do espetáculo, minhas ideias aparecem em minha estética, na maneira de contar esta história, de me relacionar com a plateia”, diz a atriz.
Para “encarnar” Clarice nos palcos foram necessários quase três anos entre pesquisas, preparações e ensaios. Para Beth, que além de circular com a peça pelo Brasil, se prepara para gravar a próxima novela da TV Record, falar de Clarice nos palcos é retratar  uma mulher à frente de seu tempo. “Sua obra nos revela por dentro. Costumo dizer que quem conhece, reconhece Clarice, quem não conhece passa a conhecer. É um dos objetivos deste trabalho, levar Clarice para quem não conhece e estimular a leitura”, comenta.
O espetáculo fala de quatro mulheres, que, para Beth, “representam algumas facetas da própria Clarice”. A primeira delas é Joana, uma mulher inquieta e criativa, a primeira personagem de Clarice que Beth Goulart conheceu. Depois tem Ana, do conto Amo, que leva uma vida simples, dedicada ao marido e aos filhos e tem a rotina quebrada ao se impressionar com a magia do Jardim Botânico. Lóri, da obra Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres é uma professora primária que mora sozinha e se prepara para descobrir o amor. Toda a obra de Clarice é uma ode ao amor. Há ainda outra mulher sem nome, que, no conto Perdoando Deus, se deixa mergulhar na liberdade enquanto passeia por Copacabana, representando a ironia, a inteligência e o humor na obra de Clarice.
Simplesmente Eu, Clarice Lispector mostra a trajetória de Clarice em direção ao entendimento do amor, de seu universo, suas dúvidas e contradições. Uma autora e seus personagens dialogando sobre a vida e morte, criação, Deus, cotidiano, palavra, silêncio, solidão, entrega, inspiração, aceitação e entendimento.
Intervenção - A solenidade de abertura da Semana, promovida pelo Governo do Estado e realizada pela Secretaria de Estado da Cultura terá a presença de autoridades. Antes da abertura, porém, os convidados serão recepcionados pelo grupo Cara de Arte que fará a intervenção artística Memórias, inspirada em diferentes pesquisas, feita pelo diretor Leônidas Portella, sobre acontecimentos que marcam a memória do teatro maranhense. 


Entrevista 


O Imparcial - Por que você escolheu encenar Clarice Lispector?
Beth Goulart - Clarice Lispector é uma das referências de minha vida. Quando gostamos muito de um autor, ator, personalidade, ou exemplo de vida escolhemos esta personalidade como referência e Clarice é uma das minhas referências por ser uma autora excepcional e uma mulher admirável a frente de seu tempo, que consegue falar de seus personagens com o olhar da alma, percebe as sutilezas humanas como um aprendizado dando uma dimensão espiritual e divina a pequenas descobertas do cotidiano. Nos revela por dentro. Sua arte nos leva a um momento de reflexão e autoconhecimento que só os grandes conseguem, é tudo o que eu gostaria que minha arte propusesse: reflexão e autoconhecimento. Conheci Clarice na minha adolescência, um período difícil da vida quando estamos buscando nossa individualidade, e quando li Perto do coração selvagem, seu primeiro livro, tive a sensação de que só "ela" me compreendia. Exageros da adolescência, mas a cumplicidade que se estabeleceu daí em diante foi muito significativa para mim e ela passou a fazer parte da minha vida.

O Imparcial - O que você mais gosta na Clarice, ou na obra?
Beth Goulart - A transcendência. Toda a obra de Clarice fala das diversas dimensões da existência e isso nos leva a enxergar mais do que a realidade palpável, descobrimos outros níveis de existência e outras possibilidades de entendimento. Esta abertura de visão gera dentro de nós a compreensão do outro ser humano, que como nós não é perfeito nem exato. Somos cheios de contradições e aí está a beleza da condição humana, somos diferentes e nos transformamos sempre .

O Imparcial - Quanto tempo demorou para que você visse que estava pronta para encená-la?
Beth Goulart - Foram dois anos de pesquisa sobre a vida e a obra de Clarice, seis meses de preparação para que tivesse domínio do texto, dois meses de ensaio e uma vida inteira de aprendizado e experiências para trazer Clarice Lispector para os palcos.

O Imparcial - Como o público percebe a diferença entre a Beth e Clarice no palco?
Beth Goulart - Bem, a proposta era retratar Clarice o mais humana possível, mostrar a mulher por trás da autora, e nessa busca descobri que não poderia falar da solidão dela sem falar da minha, não poderia falar de sua angústia sem mostrar a minha, nem falar dos valores dela sem revelar os meus. Então o espetáculo revela não só a Clarice Lispector, mas muito da Beth Goulart que está presente por trás de cada escolha. Como assino a direção e a adaptação do espetáculo, minhas ideias aparecem em minha estética, na maneira de contar esta história de me relacionar com a plateia. Trouxe uma experiência muito solitária que é a leitura para uma experiência coletiva que é o teatro, usando meu corpo, minha voz e minha linguagem própria de fazer teatro.O resultado é um ser híbrido EU/CLARICE que o público passa a conhecer.

O Imparcial - Você recebeu muitos prêmios e elogios pelo seu trabalho. Como se sente?
Beth Goulart - Muito feliz. Como uma mãe que vê o filho ser premiado. Os prêmios de atriz foram também um estímulo para meu trabalho de diretora e adaptadora. É como se eles me dissessem: “Vá em frente, continue, você tem algo a dizer!” Dá uma alegria danada!

O Imparcial - São quase quatro anos em cartaz. Cada encenação é uma estreia?
Beth Goulart - Com certeza. Teatro é a arte do encontro, onde um ser humano vai encontrar outro ser humano para se olhar no espelho. Este encontro é único e efêmero, nunca será igual, nunca se repetirá. Então cada dia é um novo dia e consequentemente uma nova estreia.

O Imparcial - Esse não é o seu primeiro monólogo...
Beth Goulart - Não. Este é o terceiro espetáculo-solo que faço. O primeiro era mais experimental, muito trabalho de corpo e poucas palavras, “Pierrot”, onde fiz o roteiro inspirado na obra “Pierrot Lunaire”. O segundo foi “Dorotéia Minha”, sobre cartas de amor. Foi o primeiro texto que escrevi e co-dirigi, e agora “Simplesmente eu, Clarice Lispector” em que assumi mais integralmente a criação e direção do espetáculo. Foi um processo de amadurecimento e descoberta de linguagem.

O Imparcial - O público se identifica com a peça?
Beth Goulart - Com certeza. O público vai conhecer uma mulher que escrevia seus textos com uma máquina de escrever sobre o colo para que sua atividade de escritora não atrapalhasse a criação de seus filhos, e que ela estivesse sempre disponível para eles. Qual de nós, hoje, não aprendeu a dividir o tempo entre atividade doméstica e o nosso trabalho? Ela fala de sentimentos, são seus pensamentos que conduzem o entendimento da plateia. O espetáculo é muito sensorial também. Como ela diria: “Arte não se explica”, se sente, e sensibilidade não tem contra indicação.

O Imparcial - Como filha de um casal de grandes atores em algum momento pensou que não seguiria a mesma carreira deles?
Beth Goulart - Minha vocação apareceu desde muito cedo. Eu brincava de fazer teatro e até hoje lido com essa arte como uma atividade lúdica e que me dá muito prazer. É lógico que para quem quer seguir a mesma carreira dos pais, a referência e o exemplo são pontos muito positivos. Eles sempre me incentivaram, mas sempre me alertaram para as dificuldades da profissão, que são enormes. Ser ator no Brasil não é fácil, temos que matar um leão por dia, é um país sem memória e que às vezes lida com a arte como um bem supérfluo quando na verdade é essencial. Mas nunca pensei em seguir outra profissão. O importante é seguir seu próprio caminho como diria meu pai: a dificuldade fortalece o caráter.

O Imparcial - Que outros trabalhos você está fazendo atualmente?
Beth Goulart - Atualmente estou fazendo Clarice, vamos entrar em temporada no Rio de Janeiro em maio; estou preparando um novo espetáculo em que vou dirigir minha mãe (Nicete Bruno) e será uma experiência maravilhosa para este ano ainda; e devo começar a gravar a próxima novela da Cristiane Friedman, na Record  para ir ao ar só em 2014.

O Imparcial - E você trocou de emissora por algum motivo especial?
Beth Goulart - Terminou meu contrato com a Globo e a Record me contratou, simples assim.

O Imparcial - E para encerrar, cite a  frase/pensamento da Clarice que você mais gosta.
Beth Goulart - “Nada impedirá meu caminho. De qualquer luta ou descanso me levantarei forte e bela como um cavalo novo”.

Serviço
O quê? Abertura da VIII Semana do Teatro
Quando? Hoje, às 19h
Onde? Teatro Arthur Azevedo (Rua do Sol, Centro)
Quanto? Entrada franca (ingressos 1h antes na bilheteria do Teatro) 


*Matéria publicada na edição de 07.04, no Jornal O Imparcial 
Fotos: Divulgação/Fabian

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