*Patricia Cunha
“Nada impedirá meu caminho. De
qualquer luta ou descanso me levantarei forte e bela como um cavalo novo”
(Clarice Lispector). É com essa frase que a atriz e diretora Beth Goulart leva
Clarice e sua obra para os palcos no espetáculo Simplesmente
Eu, Clarice Lispector. O monólogo, que ela prefere chamar de trabalho-solo, está
em cartaz há 4 anos e fará parte da programação de abertura da VIII Semana de
Teatro do Maranhão, que acontece hoje, a partir das 20h, no Teatro Arthur
Azevedo.
Beth Goulart concedeu
entrevista a O Imparcial e falou do processo de criação do espetáculo, da
emoção de viver Clarice no palco, mas ao mesmo tempo de viver ela mesma, e de
como a obra da escritora influenciou sua vida. “O espetáculo revela não só a Clarice Lispector, mas
muito da Beth Goulart que está presente por trás de cada escolha. Como assino a
direção e a adaptação do espetáculo, minhas ideias aparecem em minha estética,
na maneira de contar esta história, de me relacionar com a plateia”, diz a
atriz.
Para “encarnar” Clarice nos
palcos foram necessários quase três anos entre pesquisas, preparações e
ensaios. Para Beth,
que além de circular com a peça pelo Brasil, se prepara para gravar a próxima
novela da TV Record, falar de Clarice nos palcos é retratar uma mulher à frente de seu tempo. “Sua obra
nos revela por dentro. Costumo
dizer que quem conhece, reconhece Clarice, quem não conhece passa a conhecer. É
um dos objetivos deste trabalho, levar Clarice para quem não conhece e
estimular a leitura”, comenta.
O espetáculo fala de quatro
mulheres, que, para Beth, “representam algumas facetas da própria Clarice”. A
primeira delas é Joana, uma mulher inquieta e criativa, a primeira personagem
de Clarice que Beth Goulart conheceu. Depois tem Ana, do conto Amo, que leva uma vida simples, dedicada
ao marido e aos filhos e tem a rotina quebrada ao se impressionar com a magia
do Jardim Botânico. Lóri, da obra Uma
aprendizagem ou O livro dos prazeres
é uma professora primária que mora sozinha e se prepara para descobrir o amor.
Toda a obra de Clarice é uma ode ao amor. Há ainda outra mulher sem nome, que,
no conto Perdoando Deus, se deixa
mergulhar na liberdade enquanto passeia por Copacabana, representando a ironia,
a inteligência e o humor na obra de Clarice.
Simplesmente Eu, Clarice Lispector mostra a trajetória de
Clarice em direção ao entendimento do amor, de seu universo, suas dúvidas e
contradições. Uma autora e seus personagens dialogando sobre a vida e morte,
criação, Deus, cotidiano, palavra, silêncio, solidão, entrega, inspiração,
aceitação e entendimento.
Intervenção - A solenidade de abertura da Semana, promovida
pelo Governo do Estado e realizada pela Secretaria de Estado da Cultura terá a
presença de autoridades. Antes da abertura, porém, os convidados serão
recepcionados pelo grupo Cara de Arte que fará a intervenção artística Memórias, inspirada em diferentes
pesquisas, feita pelo diretor Leônidas Portella, sobre acontecimentos que
marcam a memória do teatro maranhense.
Entrevista
O Imparcial - Por que
você escolheu encenar Clarice Lispector?
Beth Goulart - Clarice Lispector
é uma das referências de minha vida. Quando gostamos muito de um autor, ator,
personalidade, ou exemplo de vida escolhemos esta personalidade como referência
e Clarice é uma das minhas referências por ser uma autora excepcional e uma
mulher admirável a frente de seu tempo, que consegue falar de seus personagens
com o olhar da alma, percebe as sutilezas humanas como um aprendizado dando uma
dimensão espiritual e divina a pequenas descobertas do cotidiano. Nos revela
por dentro. Sua arte nos leva a um momento de reflexão e autoconhecimento que
só os grandes conseguem, é tudo o que eu gostaria que minha arte propusesse:
reflexão e autoconhecimento. Conheci Clarice na minha adolescência, um período
difícil da vida quando estamos buscando nossa individualidade, e quando li Perto do coração selvagem, seu primeiro
livro, tive a sensação de que só "ela" me compreendia. Exageros da
adolescência, mas a cumplicidade que se estabeleceu daí em diante foi muito
significativa para mim e ela passou a fazer parte da minha vida.
O Imparcial - O que você
mais gosta na Clarice, ou na obra?
Beth Goulart - A transcendência.
Toda a obra de Clarice fala das diversas dimensões da existência e isso nos
leva a enxergar mais do que a realidade palpável, descobrimos outros níveis de
existência e outras possibilidades de entendimento. Esta abertura de visão gera
dentro de nós a compreensão do outro ser humano, que como nós não é perfeito nem
exato. Somos cheios de contradições e aí está a beleza da condição humana, somos
diferentes e nos transformamos sempre .
O Imparcial - Quanto
tempo demorou para que você visse que estava pronta para encená-la?
Beth Goulart - Foram dois anos de
pesquisa sobre a vida e a obra de Clarice, seis meses de preparação para que
tivesse domínio do texto, dois meses de ensaio e uma vida inteira de
aprendizado e experiências para trazer Clarice Lispector para os palcos.
O Imparcial - Como o
público percebe a diferença entre a Beth e Clarice no palco?
Beth Goulart - Bem, a proposta
era retratar Clarice o mais humana possível, mostrar a mulher por trás da
autora, e nessa busca descobri que não poderia falar da solidão dela sem falar
da minha, não poderia falar de sua angústia sem mostrar a minha, nem falar dos
valores dela sem revelar os meus. Então o espetáculo revela não só a Clarice
Lispector, mas muito da Beth Goulart que está presente por trás de cada
escolha. Como assino a direção e a adaptação do espetáculo, minhas ideias
aparecem em minha estética, na maneira de contar esta história de me relacionar
com a plateia. Trouxe uma experiência muito solitária que é a leitura para uma
experiência coletiva que é o teatro, usando meu corpo, minha voz e minha
linguagem própria de fazer teatro.O resultado é um ser híbrido EU/CLARICE que o
público passa a conhecer.
O Imparcial - Você
recebeu muitos prêmios e elogios pelo seu trabalho. Como se sente?
Beth Goulart - Muito feliz. Como
uma mãe que vê o filho ser premiado. Os prêmios de atriz foram também um
estímulo para meu trabalho de diretora e adaptadora. É como se eles me
dissessem: “Vá em frente, continue, você tem algo a dizer!” Dá uma alegria
danada!
O Imparcial - São
quase quatro anos em
cartaz. Cada encenação é uma estreia?
Beth Goulart - Com certeza.
Teatro é a arte do encontro, onde um ser humano vai encontrar outro ser humano
para se olhar no espelho. Este encontro é único e efêmero, nunca será igual,
nunca se repetirá. Então cada dia é um novo dia e consequentemente uma nova
estreia.
O Imparcial - Esse
não é o seu primeiro monólogo...
Beth Goulart - Não. Este é o
terceiro espetáculo-solo que faço. O primeiro era mais experimental, muito
trabalho de corpo e poucas palavras, “Pierrot”, onde fiz o roteiro inspirado na
obra “Pierrot Lunaire”. O segundo foi “Dorotéia Minha”, sobre cartas de amor. Foi
o primeiro texto que escrevi e co-dirigi, e agora “Simplesmente eu, Clarice
Lispector” em que assumi mais integralmente a criação e direção do espetáculo.
Foi um processo de amadurecimento e descoberta de linguagem.
O Imparcial - O
público se identifica com a peça?
Beth Goulart - Com certeza. O
público vai conhecer uma mulher que escrevia seus textos com uma máquina de
escrever sobre o colo para que sua atividade de escritora não atrapalhasse a
criação de seus filhos, e que ela estivesse sempre disponível para eles. Qual
de nós, hoje, não aprendeu a dividir o tempo entre atividade doméstica e o
nosso trabalho? Ela fala de sentimentos, são seus pensamentos que conduzem o
entendimento da plateia. O espetáculo é muito sensorial também. Como ela diria:
“Arte não se explica”, se sente, e sensibilidade não tem contra indicação.
O Imparcial - Como
filha de um casal de grandes atores em algum momento pensou que não seguiria a
mesma carreira deles?
Beth Goulart - Minha vocação
apareceu desde muito cedo. Eu brincava de fazer teatro e até hoje lido com essa
arte como uma atividade lúdica e que me dá muito prazer. É lógico que para quem
quer seguir a mesma carreira dos pais, a referência e o exemplo são pontos
muito positivos. Eles sempre me incentivaram, mas sempre me alertaram para as
dificuldades da profissão, que são enormes. Ser ator no Brasil não é fácil,
temos que matar um leão por dia, é um país sem memória e que às vezes lida com
a arte como um bem supérfluo quando na verdade é essencial. Mas nunca pensei em
seguir outra profissão. O importante é seguir seu próprio caminho como diria
meu pai: a dificuldade fortalece o caráter.
O Imparcial - Que
outros trabalhos você está fazendo atualmente?
Beth Goulart - Atualmente estou
fazendo Clarice, vamos entrar em temporada no Rio de Janeiro em maio; estou
preparando um novo espetáculo em que vou dirigir minha mãe (Nicete Bruno) e
será uma experiência maravilhosa para este ano ainda; e devo começar a gravar a
próxima novela da Cristiane Friedman, na Record para ir ao ar só em 2014.
O Imparcial - E você
trocou de emissora por algum motivo especial?
Beth Goulart - Terminou meu
contrato com a Globo e a Record me contratou, simples assim.
O Imparcial - E para
encerrar, cite a frase/pensamento da Clarice que você mais gosta.
Beth Goulart - “Nada impedirá meu
caminho. De qualquer luta ou descanso me levantarei forte e bela como um cavalo
novo”.
Serviço
O quê? Abertura da VIII Semana do Teatro
Quando? Hoje, às 19h
Onde? Teatro Arthur Azevedo (Rua do Sol, Centro)
Quanto? Entrada franca (ingressos 1h antes na bilheteria do Teatro)
*Matéria publicada na edição de 07.04, no Jornal O Imparcial
Fotos: Divulgação/Fabian
Fotos: Divulgação/Fabian
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