segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Vá em paz, poeta andarilho



    Foto: O Imparcial

A Aceitação
Aceito a paz já corroída
Pelo que fiz com minha dor,
Aceito o lume inverso ao dia
Que se findou na minha noite.
E a escura estrela além luzindo
Para me abrir um sol depois.
Grades
Exceto o Ser
Pelo meu fim
Nesta cadeia,
Vou saber de tudo
Que em mim se fez
Prisão do nada.

Um andarilho. Era assim que o poeta Nauro Machado se considerava, ao relatar que gostava de andar por vários quilômetros, pelas ruas da cidade. Antigo frequentador de bares e um homem das letras, o poeta faleceu na madrugada deste sábado (28), devido a complicações no intestino. Nauro tinha 80 anos e estava internado desde a última terça feira, na unidade de tratamento intensivo do hospital UDI. Segundo a família, Nauro Machado deu entrada no hospital para realizar um procedimento de colonoscopia, mas passou mal durante o exame e foi levado para a UTI na qual permaneceu até a data do  óbito. O velório aconteceu na Academia Maranhense de Letras e o enterro será hoje, domingo, às 10h, no Cemitério do Gavião (Madre Deus).
O poema A Aceitação dizia com realismo como o poeta estava se sentindo. Após se recuperar de um câncer de esôfago, ele escreveu em 2012, o livro Esôfago Terminal em que relatava o que tinha passado no período  que ficou em tratamento.  
Hábil nas palavras, na escrita, de pensamento rápido, inteligente e brincalhão, algumas vezes até com os assuntos mais indigestos, ele se considerava um amante da vida. À época do lançamento de Esôfago, dizia, “amo a vida agora mais do que nunca”.
 Outra obra lançada quase ao mesmo tempo,  Província – O pó dos Pósteros (2012), retratou os mais de 60 anos de escrita do poeta em ensaios, crônicas, discursos, entrevistas publicadas em vários jornais do estado durante as seis décadas que escreveu para a imprensa. “Especialmente os textos para o jornal O Imparcial, onde escrevi por algum tempo todas as terças-feiras sobre os mais variados assuntos”, lembra o poeta.
O livro, ele ainda reforçou na época, veio como uma realização pessoal após a doença e para homenagear  São Luís, mas fala também da relação de amor e ódio do poeta com a cidade que tanto o inspira. “Essa é  a minha homenagem já que ela não está sendo honrada como deveria. Minha relação com São Luís é dolorosa, eu diria sadomasoquista. Uma cidade a quem amo e odeio ao mesmo tempo. “A raia miúda de São Luís me compreende. Eu sou andarilho de São Luís. Todo o povão me saúda, me respeita. Pessoas com quem eu convivi, bebi durante muito tempo. Ao passo que alguns dos intelectuais tem por mim uma relação dúbia”, criticou. Imortal? Nunca quis ser. Recusou todos os convites que lhe foram feitos. Mas deixou imortalizadas as palavras por vezes complexas, mas que diziam muito de si." Ser poeta é duro e dura e consome toda uma existência” (O Parto).

A vida literária
Nauro Machado publicou 37 e deixou alguns inéditos. O poeta já conquistou vários  prêmios, destacando-se o de Poesia da Cidade de São Luís, várias vezes conquistado por ele; o da Associação Paulista de Críticos de Arte, em 1982; o da Academia Brasileira de Letras, em 1999, e o da União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro, em 2000. Era  casado com a também escritora Arlete Nogueira da Cruz.
Citado em enciclopédias e em dicionários nacionais e internacionais, tem alguns de seus poemas traduzidos para vários idiomas, em alemão, inglês, francês e catalão, consequentemente publicados em antologias e revistas internacionais. O poeta está incluído em inúmeras antologias do Maranhão e do Brasil.
Nauro Diniz Machado nasceu  em São Luís do Maranhão, no dia 2 de agosto de 1935. Destacou-se na poesia como um dos poetas brasileiros mais importantes de todos os tempos. Comparado por alguns críticos a Fernando Pessoa, (poeta e escritor português, falecido em 30 de novembro 1935) ano do nascimento do poeta maranhense.
Conhecido, traduzido e citado por intelectuais como Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto,  Cassiano Ricardo, Alfredo Bosi, Luciana Stegnano Picchio, Fábio Lucas, Ferreira Gullar, entre muitos outros. Em seu amplo acervo estão livros de história literária e antologias internacionais, enciclopédias e dicionários.
O escritor tinha 37 livros publicados, era  autodidata e  sua obra foi reconhecida pela Academia Brasileira de Letras (ABL). Deixou para o mundo  uma obra realmente singular, distinta de qualquer poeta contemporâneo, mesmo de sua geração, por apresentar traços de reflexão existencial angustiada e violenta que encontra poucas comparações na lírica de língua portuguesa.

Trilogia
A obra  O exercício do Caos (1961) baseou o primeiro longa de uma trilogia chamada Trindade Dantesca. Composta ainda  por As órbitas da água (1978) e O signo das tetas (1984). A adaptação para o cinema foi do filho de Nauro, Frederico Machado, um aficionado pelas obras do pai. À época, perguntado sobre o seu livro ter ido para as telas, Nauro se limitou a responder: “vai popularizar o livro”. O Exercício do Caos foi lançado em 2013 e  exibido em todo o Brasil e vários festivais O Signo das Tetas  é sucesso de crítica e trata de um road movie experimental sobre um homem em busca de seu passado. Em breve estará no circuito brasileiro.


 Obras
Campo sem base (1958)
O exercício do Caos (1961)
Do frustrado órfico (1963)
Segunda comunhão (1964)
Ouro noturno (1965)
Zoologia da alma (1966)
Necessidade do divino (1967)
Noite ambulatória (1969)
Do eterno indeferido (1971)
Décimo divisor comum (1972)
Testamento provincial (1973)
A vigésima jaula (1974)
Os parreirais de Deus (1975)
Os órgãos apocalípticos (1976)
A antibiótica nomenclatura do inferno (1977)
As órbitas da água (1978)
Masmorra didática (1979)
Antologia poética (1980)
O calcanhar do humano (1981)
O cavalo de Tróia (1982)
O signo das tetas (1984)
Apicerum da clausura (1985)
Opus da agonia (1986)
O anafilático desespero da esperança (1987)
A rosa blindada (1989)
Mar abstêmio (1991)
Lamparina da aurora (1992)
Funil do ser (1995)
A travessia do Ródano (1997)
Antologia poética (1998)
Túnica de Ecos (1999)
Jardim de infância (2000)
Nau de Urano (2002)
A rocha e a rosca (2003)
Província – O pó dos Pósteros (2012)
Esôfago Terminal (2014)


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