Foto: O Imparcial
A
Aceitação
Aceito
a paz já corroída
Pelo
que fiz com minha dor,
Aceito
o lume inverso ao dia
Que
se findou na minha noite.
E
a escura estrela além luzindo
Para
me abrir um sol depois.
Grades
Exceto
o Ser
Pelo
meu fim
Nesta
cadeia,
Vou
saber de tudo
Que
em mim se fez
Prisão
do nada.
Um andarilho. Era assim que o poeta Nauro
Machado se considerava, ao relatar que gostava de andar por vários quilômetros,
pelas ruas da cidade. Antigo frequentador de bares e um homem das letras, o
poeta faleceu na madrugada
deste sábado (28), devido a complicações no intestino. Nauro tinha 80 anos e
estava internado desde a última terça feira, na unidade de tratamento intensivo
do hospital UDI. Segundo a família, Nauro Machado deu entrada no hospital para
realizar um procedimento de colonoscopia, mas passou mal durante o exame e foi
levado para a UTI na qual permaneceu até a data do óbito. O velório aconteceu na Academia
Maranhense de Letras e o enterro será hoje, domingo, às 10h, no Cemitério do
Gavião (Madre Deus).
O poema A
Aceitação dizia com realismo como o poeta estava se sentindo. Após se
recuperar de um câncer de esôfago, ele escreveu em 2012, o livro Esôfago Terminal em que relatava o que
tinha passado no período que ficou em
tratamento.
Hábil nas palavras, na escrita, de pensamento
rápido, inteligente e brincalhão, algumas vezes até com os assuntos mais
indigestos, ele se considerava um amante da vida. À época do lançamento de
Esôfago, dizia, “amo a vida agora mais do que nunca”.
Outra
obra lançada quase ao mesmo tempo, Província – O pó dos Pósteros (2012), retratou
os mais de 60 anos de escrita do poeta em ensaios, crônicas, discursos,
entrevistas publicadas em vários jornais do estado durante as seis décadas que escreveu
para a imprensa. “Especialmente os textos para o jornal O Imparcial, onde escrevi por algum tempo todas as terças-feiras
sobre os mais variados assuntos”, lembra o poeta.
O livro, ele ainda reforçou na época, veio como
uma realização pessoal após a doença e para homenagear São Luís, mas fala também da relação de amor
e ódio do poeta com a cidade que tanto o inspira. “Essa é a minha homenagem já que ela não está sendo
honrada como deveria. Minha relação com São Luís é dolorosa, eu diria
sadomasoquista. Uma cidade a quem amo e odeio ao mesmo tempo. “A raia miúda de
São Luís me compreende. Eu sou andarilho de São Luís. Todo o povão me saúda, me
respeita. Pessoas com quem eu convivi, bebi durante muito tempo. Ao passo que
alguns dos intelectuais tem por mim uma relação dúbia”, criticou. Imortal? Nunca quis ser. Recusou todos os convites que lhe foram feitos. Mas deixou imortalizadas as palavras por vezes complexas, mas que diziam muito de si." Ser poeta é duro e dura e consome toda uma existência” (O Parto).
A vida
literária
Nauro Machado publicou 37 e deixou alguns inéditos.
O poeta já conquistou vários prêmios,
destacando-se o de Poesia da Cidade de São Luís, várias vezes conquistado por
ele; o da Associação Paulista de Críticos de Arte, em 1982; o da Academia
Brasileira de Letras, em 1999, e o da União Brasileira de Escritores do Rio de
Janeiro, em 2000. Era
casado com a também escritora Arlete
Nogueira da Cruz.
Citado em enciclopédias e em dicionários
nacionais e internacionais, tem alguns de seus poemas traduzidos para vários
idiomas, em alemão, inglês, francês e catalão, consequentemente publicados em
antologias e revistas internacionais. O poeta está incluído em inúmeras
antologias do Maranhão e do Brasil.
Nauro Diniz Machado nasceu em São Luís do Maranhão, no dia 2 de agosto de
1935. Destacou-se na poesia como um dos poetas brasileiros mais importantes de
todos os tempos. Comparado por alguns críticos a Fernando Pessoa, (poeta e
escritor português, falecido em 30 de novembro 1935) ano do nascimento do poeta
maranhense.
Conhecido, traduzido e citado por
intelectuais como Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Cassiano Ricardo, Alfredo Bosi, Luciana Stegnano
Picchio, Fábio Lucas, Ferreira Gullar, entre muitos outros. Em seu amplo
acervo estão livros de história literária e antologias internacionais,
enciclopédias e dicionários.
O escritor tinha 37 livros publicados,
era autodidata e sua obra foi reconhecida pela Academia
Brasileira de Letras (ABL). Deixou para o mundo
uma obra realmente singular, distinta de qualquer poeta contemporâneo,
mesmo de sua geração, por apresentar traços de reflexão existencial angustiada
e violenta que encontra poucas comparações na lírica de língua portuguesa.
Trilogia
A obra O exercício do Caos (1961) baseou o primeiro longa de uma trilogia
chamada Trindade Dantesca. Composta ainda por As
órbitas da água (1978) e O signo das
tetas (1984). A adaptação para o cinema foi do filho de Nauro, Frederico
Machado, um aficionado pelas obras do pai. À época, perguntado sobre o seu
livro ter ido para as telas, Nauro se limitou a responder: “vai popularizar o
livro”. O Exercício do Caos foi lançado em
2013 e exibido em todo o Brasil e vários
festivais. O Signo das
Tetas
é sucesso de crítica e trata de um road movie experimental sobre um homem em busca de seu passado. Em
breve estará no circuito brasileiro.
Obras
Campo sem base (1958)
O exercício do Caos (1961)
Do frustrado órfico (1963)
Segunda comunhão (1964)
Ouro noturno (1965)
Zoologia da alma (1966)
Necessidade do divino (1967)
Noite ambulatória (1969)
Do eterno indeferido (1971)
Décimo divisor comum (1972)
Testamento provincial (1973)
A vigésima jaula (1974)
Os parreirais de Deus (1975)
Os órgãos apocalípticos (1976)
A antibiótica nomenclatura do inferno
(1977)
As órbitas da água (1978)
Masmorra didática (1979)
Antologia poética (1980)
O calcanhar do humano (1981)
O cavalo de Tróia (1982)
O signo das tetas (1984)
Apicerum da clausura (1985)
Opus da agonia (1986)
O anafilático desespero da esperança
(1987)
A rosa blindada (1989)
Mar abstêmio (1991)
Lamparina da aurora (1992)
Funil do ser (1995)
A travessia do Ródano (1997)
Antologia poética (1998)
Túnica de Ecos (1999)
Jardim de infância (2000)
Nau de Urano (2002)
A rocha e a rosca (2003)
Província – O pó dos Pósteros (2012)