O que faz um poeta querer parar de escrever?
Esse é o grande questionamento que move o espetáculo teatral Rimbaudemonio, montagem da Companhia
Direto da Fonte, com direção de Charles Melo e atuação de Raimundo Reis (como o
demônio) e Ruan do Vale (como Rimbaud). A peça é uma adaptação do texto Rimbaudemonio: traições, colagens e
iluminações no inferno escrito pelo poeta Celso Borges em 2007 quando ainda
morava em São Paulo, e tem apresentações todas as sextas-feiras, até o final do ano
na sala SATED (Praia Grande), às 21h.
A peça gira em torno do diálogo entre Rimbaud e
o demônio. Embates, conflitos, questionamentos, carinho, violência, álcool,
poesia, nudez, erotismo, em uma linguagem que une poesia, teatro e cinema.
Tudo começa quando Rimbaud, o poeta francês
decide parar de escrever poesias e vai ao encontro do demônio para comunicá-lo,
que de pronto é contrário à decisão e se revolta contra ele. Em uma hora de
duração o que se vê é algo ousado, instigante. “Uns vão gostar, outros vão
odiar, como acontece com tudo na vida,
mas é algo muito bonito de se ver”, comenta Celso Borges, autor do texto.
O diretor Charles Melo
conta que pegou o texto de Celso e precisou adaptá-lo para a linguagem de
teatro, já que não havia marcações por ser um texto mais voltado para a poesia.
“O texto do Celso Borges era um desafio em estado bruto e apesar dos méritos
literários nos dava poucas indicações de ações cênicas. O que fizemos foi
colocar situações cênicas. O Celso criou a situação: Rimbaud vai ao inferno
fazer o comunicado ao demônio. Cabia à adaptação mostrar onde e como isso se desenvolveria com colagens e
iluminações ‘no palco’. Dentro desse contexto haverá um filme no início e no
final, e sugestão de imagens durante a peça, para criar um pouco essa coisa do
dentro e fora, utilizando-as como cenário. E posso dizer que ficou
interessante. Em uma hora vai acontecer muita coisa”, sugere Charles Melo.
O próximo projeto do grupo é uma adaptação
dramatúrgica de Inaldo Lisboa do romance Noite
Sobre Alcântara, de Josué Montello. A montagem acabou de ser aprovada na Lei
de Incentivo Cultural do Estado e os ensaios devem começar em ainda este mês
com estreia para março de 2014.
Duas
perguntas//Celso Borges
1. E o que
te motivou a escrever o texto?
Rimbaud é um poeta referência, leitura
inevitável. Ele escreveu uma obra completa entre os 16 e os 19 anos, o que é
único na literatura. E chegou um momento em que ele não queria mais escrever,
abandonou a poesia e não escreveu nunca mais. Isso é muito instigante, porque
para quem escreve o que pode acontecer é uma interrupção, mas com ele não. Por que ele desertou? É uma pergunta sem
resposta. Às vezes você diz que não vai mais escrever e volta a fazê-lo. Acho
que ele encheu o saco, e isso me motivou a escrever esse texto. Ele vai
abandonar a poesia e vai comunicar ao demônio que é o seu grande mentor. O
demônio, como um anjo, deu fogo à poesia dele, e como tal não vai aceitar esse
abandono. A peça é uma conversa entre os dois. Para o demônio ele é um traidor,
e aí começa o embate.
2. Como
foi o processo para chegar ao texto?
Eu li muita coisa, além das traduções, a
história do demônio no mundo ocidental, o que ele significava, enfim... uma
história muito longa. Para poetas como
eu, que carregam a palavra por todo o corpo e nunca pensaram em abandoná-la, a
atitude de Rimbaud traz desconforto e alguma angústia. Um lado meu procura
compreendê-lo. O outro, chora a perda de um cúmplice e sente o golpe. Como uma
traição. Rimbaudemônio é um
grito e um exercício de imaginação contra os fugitivos da literatura, além de
uma afirmação da poesia. É um texto de raiva e revolta contra Rimbaud, ainda
que dê a ele chances de se defender.
Depoimento
“O inferno, aqui
eleito como fonte de desregramento, delírio e rebeldia, é resultado de uma
idealização romântica, ou mesmo de uma falsa idealização. Na educação cristã
que recebi na infância, a presença de um Deus punitivo e de um juízo final
implacável sempre foram mais presentes do que a figura do diabo e do fogo do
inferno. Mais tarde, revoltei-me contra essa simbologia do medo. Rimbaudemônio é também, por isso, uma reação, mas,
sobretudo uma provocação contra esse universo. Para isso, investi num conceito
de transgressão que tivesse origem na figura do demônio e no cenário de fogo
regido por ele. É dentro dessa concepção que nascem a beleza e a rebeldia de
Rimbaud”. Celso Borges (poeta)
Ficha Técnica
Texto: Celso Borges
Adaptação, direção, figurino, iluminação e
cenografia: Charles Melo
Elenco: Raimundo Reis e Ruan do Valle
Fotografia: Evandro Martin
Edição e som: Edemar Miqueta
Anota aí!
O quê? Espetáculo Rimbaudemonio
Quando? Todas as sextas-feiras, às 21h
Onde? Sala SATED (Rua da Estrela, 350, Praia
Grande)
Quanto? R$30,00 (R$15,00 meia-entrada).
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