quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Os mistérios de Clarice Lispector



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Um envenenado (no bom sentido) pela vida e obra de Clarice Lispector. É essa a definição que  o escritor norte-americano Benjamin Moser dá a si mesmo ao falar sobre a escritora brasileira. Benjamin se encantou por Clarice Lispector nas três primeiras frases de A hora da estrela (1977), o penúltimo romance e último livro publicado em vida por Clarice. O contato se deu durante um curso de literatura brasileira da Brown University. Foi amor à primeira vista.
“Sabe quando você encontra o amor e sabe que ficará apaixonado a vida toda? Assim eu fiquei quando descobri Clarice. Eu fiquei apaixonado e me considero envenenado por ela”, conta Benjamin em entrevista que fiz para O Imparcial.
Benjamin proferiu a palestra Que Mistérios tem Clarice?durante a sétima edição da Feira do Livro, onde pretendeu revelar um pouco sobre a escritora e como ele mesmo disse, espalhar Clarice aos quatro cantos do mundo.
Mergulhado na obra de Clarice, Moser diz ter assumido a missão de apresentá-la aos leitores de seu país. A biografia Why this world? foi traduzida e publicada no Brasil, sob o título de Clarice. O resultado de cinco anos de pesquisa  foi um sucesso e ampliou o interesse pela escritora no exterior. O livro revela fatos desconhecidos de sua vida e joga luz sobre recantos até agora nebulosos, que ajudam a entender melhor seu principal interesse: a origem das coisas, inclusive a dela própria.
Nascido em Houston, em 1976, crítico e tradutor, Moser mergulhou fundo na cultura brasileira do século XX para tentar desvendar a enigmática personagem, dona de um mistério até hoje perturbador, mesmo após mais de três décadas de sua morte.
Em entrevista o biógrafo falou de sua paixão pela escritora, de como aprendeu o português – idioma que domina com perfeição, e da alegria de estar em São Luís, uma das poucas cidades brasileiras que ele ainda não conhecia. 




O que o motivou a pesquisar a vida de Clarice Lispector?
A motivação foi amor puro. Algo com que você se apaixona e pronto. Quer viver aquilo. Há 20 anos eu vivo esse amor.

E como se deu esse encontro com a obra dela?
Eu comecei a fazer aulas de chinês na faculdade porque gostava e acreditava que podia falar sobre a China e essas coisas. Mas era  muito difícil e depois de duas semanas eu logo desisti. Daí como já falava espanhol, fui estudar português (na Brown University),e aí começamos a ler obras da literatura brasileira. Foi aí que fui apresentado a Clarice e me encantei logo na primeira página. Acabei mergulhado na obra dela, e é difícil sair quando acontece algo assim. Eu nuca consegui.

Por que você optou por escrever uma biografia de uma escritora brasileira?
O que me interessou em Clarice não era foi nacionalidade, mas a genialidade dela e eu achei uma injustiça que essa autora brasileira fosse tão mal conhecida em outros países, tão mal traduzida,  e resolvi fazer o que podia para mudar isso. Essa coisa de tão alto nível todo mundo devia conhecer e eles não tinham como conhecer porque não sabem o português. Mas eu achei que era bom contar a vida dela que é extraordinária e levar para os Estados Unidos, França, Holanda, Itália e onde quer sua obra possa estar.

E o que fez você ficar apaixonado por ela?
No início foi a linguagem dela, a beleza das líricas. Em minha vida toda eu nunca tinha lido algo assim. Me encantei com ela depois de três frases do livro A Hora da Estrela. É como quando você se apaixona, quando você encontra o amor para a vida toda. Há 20 anos eu vivo imerso nessa paixão.

Como foi o processo de pesquisa?
Bati de porta em porta atrás de pessoas que quisessem contar suas histórias aram. Tive muita sorte nisso ao encontrar pessoas que ficaram contentes em ver que suas memórias, suas coleções, iam servir para divulgar a obra de Clarice no mundo. De toda a experiência que tive durante a elaboração do livro, levarei para sempre as amizades que fiz.

E que mistérios tem Clarice?
Depois de tantos anos de andanças vi que os mistérios dela são os de todo mundo Ela tinha questões, desafios humanos, perguntas comuns a todos, como por exemplo: por que nascemos?  De onde viemos? Para onde vamos? por que temos que morrer? Onde está Deus? São questões dolorosas porque não têm respostas, mas ninguém as procurou com tanta intensidade como Clarice. E acho que a resposta que ela encontrou foi vivendo a vida, aproveitando, sendo feliz. Ela mostrou isso por meio dos trabalhos que fez ao longo da vida.

E você como pesquisador da obra dela acha que ela conseguiu essas respostas?
Eu acho que ela conseguiu não resposta para todas as perguntas, mas respostas temporárias. Porque não dá para resolver tudo. A gente não morre do nosso jeito. Ela achou respostas que são válidas para toda a gente. Ela conseguiu deixar algumas coisas não só para mim, mas para toda a gente. Do Cazaquistão à África, Estados Unidos, Europa, todos conseguem essa identificação com a obra dela.

Nas palestras e apresentações que você tem feito pelo mundo o que as pessoas mais te perguntam?
Graças a Deus por onde tenho passado Clarice tem causado encantamento. As pessoas acabam se identificando com os mistérios, com suas histórias, seus personagens. Certa vez uma senhora alemã que bem aqui para os brasileiros poderia ser chamada de dondoca, se identificou com um personagem simples de Clarice. Então é isso que costuma acontecer. As pessoas se envolvem e se veem naquelas histórias, independente de onde sejam ou como são.

É a primeira vez que você vem a São Luís. Já sabia algo sobre a cidade?
Sim. São Luís é talvez a única cidade brasileira interessante que eu ainda não havia conhecido. E conheço muito da literatura daqui, como Gonçalves Dias, Sousândrade, Aluízio Azevedo, Ferreira Gullar, que foi amigo pessoal de Clarice. Eu tirei uma foto com a estátua de Gonçalves Dias e ficou muito legal (risos). E é uma coisa extraordinária, por ser um estado relativamente pequeno, mas ter dado uma contribuição tão grande para a literatura brasileira. Tenho até um projeto que tem sido expulsado da minha cabeça sobre Gonçalves Dias.

Dá para adiantar o que seria?
Ainda está nas ideias, mas seria sobre a obra Timbiras, que faz parte do nacionalismo brasileiro que se descobriu no século XIX, e a questão indigenista. Penso que posso dar aulas sobre o indigenismo na América Latina, Canadá e de que forma isso contribuiu para formar a cabeça do que é ser brasileiro, americano. É uma coisa que estou estudando ainda.


*publicada na edição de 01.10.13, Jornal O Imparcial
Foto: Lauro Vasconcelos/Divulgação

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