Em
turnê pelo Brasil com o show 40 anos Depois, o cantor e compositor João Bosco
faz a segunda apresentação em São Luís, nesta sexta-feira, no Espaço Cultural Lagoa (Lagoa da Jansen). O evento
será aberto às 21h, com apresentação dos cantores e instrumentistas Luiz Júnior
e Lúcio Cordas.
O espetáculo comemorativo dos
seus 40 anos de carreira já lhe rendeu um CD e um DVD intitulados 40 anos
Depois, em que reúne sucessos de seu repertório e vários convidados especiais
como Chico Buarque, Milton Nascimento, João Donato, Roberta Sá, Toninho Horta,
Trio Madeira e Cristóvão Bastos. Em 2012, João Bosco foi o homenageado do 23º
Prêmio da Música Brasileira, maior premiação da música no país, e a homenagem
resultou em turnê e gravação de mais um CD e um DVD, chamados ”23º Prêmio da Música
Brasileira”.
O artista está sendo acompanhado pelos músicos Kiko Freitas (bateria), Daniel Santiago (guitarra) e João Batista (baixo).
Quarenta anos depois
Desde a sua estreia, sob a benção jobiniana, num
disco compacto que tinha "Agnus sei" de um lado e "Águas de
março" de outro, o cantor e compositor está completando 40 anos de
carreira. Como no poema de Drummond, pode-se dizer que ele atinge a marca na
seguinte situação: "Quarenta anos e nenhum problema/resolvido". Mas
muitos problemas colocados, com originalidade e mestria. São esses problemas
musicais que ele reúne e aprofunda nesses CD e DVD que lança em comemoração à
efeméride.
Para
começar por um de seus traços fundamentais, João Bosco é a um tempo
homem-música e homem-canção. Essa tensão entre a canção (relação irredutível
entre melodia e letra) e a música (tudo o que excede essa relação) atravessa a
sua obra, se manifestando com muita força após a interrupção da parceria com
Aldir Blanc. Em seu último disco, Não vou pro céu, mas já não vivo no chão,
João Bosco realizara um rigoroso trabalho de reduzir essa tensão à canção pura:
sem ornamentos, com canto despojado, só o osso.
Agora,
como a ocasião é de revisar toda a obra, apreendendo os seus sentidos principais,
as duas lógicas coabitam o espaço. Ouçamos faixas como "Tarde",
"Trem bala", "Tanajura", "Lilia", "Bodas de
prata"; aí a canção é invadida e alargada por dentro, por meio da
exuberância musical de músicos da categoria de um Toninho Horta, de um Cristóvão
Bastos, de um Ricardo Silveira. A música integra a canção, mas a excede. Hoje,
quando se fala na "canção expandida" de bandas como Los Hermanos e
Radiohead, é preciso lembrar que a tensão entre música e canção existe na
música popular brasileira há muito tempo: de formas diferentes, praticam-na
nomes como Johnny Alf, Tom Jobim, Guinga, Milton Nascimento e João Bosco.
Ouçamos,
por outro lado, faixas como "Pra que mentir", "Tudo se
transformou", "Eu não sei seu nome inteiro". Nessas é o
homem-canção quem assume o proscênio, o João Bosco autor e intérprete de
inúmeros sucessos redondos, exatos, sem tirar nem pôr.
Como
os nossos tempos de mashups e cut and
paste têm enfatizado, nenhuma criação se faz a sós, por si só. Assim, os 40
anos de carreira de João Bosco são os 40 anos de diálogo de sua obra com
mestres da tradição e, principalmente, da sua geração. O presente trabalho é
também uma leitura pessoal dessa moderna época de ouro da música brasileira que
são os anos 50/60/70. Estão presentes a densidade divina de Milton Nascimento
(em "Lilia" e "Tarde"), o samba meditativo de Paulinho da
Viola ("Tudo se transformou"), a bossa eterna do maestro soberano Tom
Jobim ("Ligia" e "Fotografia"), o balanço caribenho
incomparável de João Donato ("Eu não sei seu nome inteiro" e
"Drume negrita"), o Chico Buarque herdeiro direto dos sambas simples
dos anos 30 ("Bom tempo"). Daí a abertura inusual dos trabalhos, com
a voz de Milton Nascimento em "Agnus sei". "Agnus sei" é o
começo de tudo, mas Milton é o que está no começo do começo, é o que torna o
começo possível.
Numa
confluência complexa de vários tempos, a cervical da história do samba também é
evocada, numa bela leitura de "Pra que mentir", de Noel e Vadico. E o
futuro se projeta - evoé jovens artistas - no dueto com a voz límpida de Robeta
Sá em "De frente pro crime". Grandes artistas formulam grandes
problemas: em João Bosco, o outro se torna o mais próprio, o passado se revela
o futuro: clássicos como "Fotografia" e "Drume negrita" recebem
interpretações altamente criativas, e seu próprio passado musical emerge outro
e novo de suas mãos, como mostram os arranjos de "Plataforma", na
companhia luxuosa das cordas do Trio Madeira, e "Bodas de prata",
percorrida pelo pensamento musical de Toninho Horta. Dessa capacidade de
reformulação radical, João Bosco já havia dado provas no disco Dá licença, meu
senhor, de 1996.
Da
perspectiva da geografia - ou dos gêneros, se preferirmos -, os 40 anos da obra
de João Bosco também se acham aqui muito bem representados. O mineiro mais
carioca da música popular é talvez o único que pode cantar, que pode ser ao
mesmo tempo a densidade barroca das Gerais e a superfície escorregadia do
Estácio. Uma e outra marcam forte presença nesse trabalho. A alma barroca
inaugura o disco, com "Agnus sei". O samba carioca o perpassa, com
"O mestre sala dos mares" (cantado em duo com Chico Buarque, que
retribui a visita de João Bosco a seu último disco), "De frente pro
crime" (com Roberta Sá, como já disse), entre outras. O bolero
latinoamericano, que fez os ouvidos da geração formada nos anos 40/50, também
comparece no clássico bolero-acalanto de Bola de Nieve, "Drume
negrita". A negritude de boca cheia está em "Da África a
Sapucaí", grande e pouco conhecido samba da dupla Bosco/Blanc. E os
trabalhos se despedem com "Bom tempo", no duo de João Bosco e Chico
Buarque que nos faz lembrar que a canção popular tem um compromisso com a
alegria, com a leveza, com a esperança.
Como
nada em João Bosco é ingênuo, o arranjo é também uma evocação de João Gilberto,
com seu crescendo sutil de percussões; e sente-se ainda as presenças
gigantescas de Caymmi, na simplicidade de tudo, e de Ary Barroso, no piano de
Cristóvão Bastos. Por trás de uma geração, a outra. Aquela explicitada, essa
citada.
Em
suma, 40 anos e nenhum problema resolvido. Mas muitos brilhantemente
formulados.
SERVIÇO
O QUE: Show “João Bosco 40 anos Depois”
QUANDO: 2 de setembro de 2016
ONDE: Espaço Cultural Lagoa (Lagoa da Jansen, São Luís-MA)
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