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Um envenenado (no bom sentido) pela vida e
obra de Clarice Lispector. É essa a definição que o escritor norte-americano Benjamin Moser dá a
si mesmo ao falar sobre a escritora brasileira. Benjamin se encantou por
Clarice Lispector nas três primeiras frases de A hora da estrela (1977), o penúltimo romance e último livro publicado em vida por Clarice. O contato
se deu durante um curso de
literatura brasileira da Brown University. Foi amor à primeira vista.
“Sabe quando você encontra o amor e sabe que
ficará apaixonado a vida toda? Assim eu fiquei quando descobri Clarice. Eu
fiquei apaixonado e me considero envenenado por ela”, conta Benjamin em
entrevista que fiz para O Imparcial.
Benjamin proferiu a palestra Que
Mistérios tem Clarice?durante a sétima edição
da Feira do Livro, onde pretendeu revelar um pouco sobre a escritora e
como ele mesmo disse, espalhar Clarice aos quatro cantos do mundo.
Mergulhado na obra de Clarice, Moser diz ter
assumido a missão de apresentá-la aos leitores de seu país. A biografia Why
this world? foi traduzida e publicada no Brasil, sob o título de Clarice.
O resultado de cinco anos de
pesquisa foi um sucesso e ampliou o
interesse pela escritora no exterior. O livro revela fatos desconhecidos de sua
vida e joga luz sobre recantos até agora nebulosos, que ajudam a entender
melhor seu principal interesse: a origem das coisas, inclusive a dela própria.
Nascido em Houston, em 1976, crítico e
tradutor, Moser mergulhou fundo na cultura brasileira do século XX para tentar
desvendar a enigmática personagem, dona de um mistério até hoje perturbador, mesmo
após mais de três décadas de sua morte.
Em entrevista o biógrafo falou de sua paixão
pela escritora, de como aprendeu o português – idioma que domina com
perfeição, e da alegria de estar em São Luís, uma das poucas cidades
brasileiras que ele ainda não conhecia.
O que o
motivou a pesquisar a vida de Clarice Lispector?
A motivação foi amor puro. Algo com que você
se apaixona e pronto. Quer viver aquilo. Há 20 anos eu vivo esse amor.
E como se
deu esse encontro com a obra dela?
Eu comecei a
fazer aulas de chinês na faculdade porque gostava e acreditava que podia falar
sobre a China e essas coisas. Mas era
muito difícil e depois de duas semanas eu logo desisti. Daí como já
falava espanhol, fui estudar português (na Brown University),e aí começamos a
ler obras da literatura brasileira. Foi aí que fui apresentado a Clarice e me
encantei logo na primeira página. Acabei mergulhado na obra dela, e é difícil sair
quando acontece algo assim. Eu nuca consegui.
Por
que você optou por escrever uma biografia de uma escritora brasileira?
O que me
interessou em Clarice não era foi nacionalidade, mas a genialidade dela e eu
achei uma injustiça que essa autora brasileira fosse tão mal conhecida em
outros países, tão mal traduzida, e resolvi fazer o que podia para mudar isso.
Essa coisa de tão alto nível todo mundo devia conhecer e eles não
tinham como conhecer porque não sabem o português. Mas eu achei que era bom
contar a vida dela que é extraordinária e levar para os Estados Unidos, França,
Holanda, Itália e onde quer sua obra possa estar.
E o que fez você ficar apaixonado por ela?
No início foi
a linguagem dela, a beleza das líricas. Em minha vida toda eu nunca tinha lido
algo assim. Me encantei com ela depois de três frases do livro A Hora da Estrela. É como quando você se
apaixona, quando você encontra o amor para a vida toda. Há 20 anos eu vivo
imerso nessa paixão.
Como foi o
processo de pesquisa?
Bati de porta em porta atrás de pessoas que
quisessem contar suas histórias aram. Tive muita sorte nisso ao encontrar
pessoas que ficaram contentes em ver que suas memórias, suas coleções, iam
servir para divulgar a obra de Clarice no mundo. De toda a experiência que tive
durante a elaboração do livro, levarei para sempre as amizades que fiz.
E que mistérios tem Clarice?
Depois de tantos anos de andanças vi que os
mistérios dela são os de todo mundo Ela tinha questões, desafios humanos, perguntas
comuns a todos, como por exemplo: por que nascemos? De onde viemos? Para onde vamos? por que
temos que morrer? Onde está Deus? São questões dolorosas porque não têm
respostas, mas ninguém as procurou com tanta intensidade como Clarice. E acho
que a resposta que ela encontrou foi vivendo a vida, aproveitando, sendo feliz.
Ela mostrou isso por meio dos trabalhos que fez ao longo da vida.
E você como
pesquisador da obra dela acha que ela conseguiu essas respostas?
Eu acho que ela conseguiu não resposta para
todas as perguntas, mas respostas temporárias. Porque não dá para resolver
tudo. A gente não morre do nosso jeito. Ela achou respostas que são válidas
para toda a gente. Ela conseguiu deixar algumas coisas não só para mim, mas
para toda a gente. Do Cazaquistão à África, Estados Unidos, Europa, todos
conseguem essa identificação com a obra dela.
Nas
palestras e apresentações que você tem feito pelo mundo o que as pessoas mais
te perguntam?
Graças a Deus por onde tenho passado Clarice
tem causado encantamento. As pessoas acabam se identificando com os mistérios,
com suas histórias, seus personagens. Certa vez uma senhora alemã que bem aqui
para os brasileiros poderia ser chamada de dondoca, se identificou com um
personagem simples de Clarice. Então é isso que costuma acontecer. As pessoas
se envolvem e se veem naquelas histórias, independente de onde sejam ou como
são.
É a
primeira vez que você vem a São Luís. Já sabia algo sobre a cidade?
Sim. São Luís é talvez a única cidade
brasileira interessante que eu ainda não havia conhecido. E conheço muito da
literatura daqui, como Gonçalves Dias, Sousândrade, Aluízio Azevedo, Ferreira
Gullar, que foi amigo pessoal de Clarice. Eu tirei uma foto com a estátua de
Gonçalves Dias e ficou muito legal (risos). E é uma coisa extraordinária, por ser
um estado relativamente pequeno, mas ter dado uma contribuição tão grande para
a literatura brasileira. Tenho até um projeto que tem sido expulsado da minha
cabeça sobre Gonçalves Dias.
Dá para
adiantar o que seria?
Ainda está nas ideias, mas seria sobre a obra
Timbiras, que faz parte do
nacionalismo brasileiro que se descobriu no século XIX, e a questão
indigenista. Penso que posso dar aulas sobre o indigenismo na América Latina,
Canadá e de que forma isso contribuiu para formar a cabeça do que é ser brasileiro,
americano. É uma coisa que estou estudando ainda.
*publicada na edição de 01.10.13, Jornal O Imparcial
Foto: Lauro Vasconcelos/Divulgação