“É uma coisa que eu penso que eu alcancei. O bem viver”
(depoimento de
Mestre Apolônio extraído do documentário Brincando
na Floresta)
Íntegro, humilde, companheiro,
alegre, de bem com a vida. São essas características que vão ficar para sempre
na memória de quem conheceu Apolônio Melônio, o Mestre Apolônio do Boi da
Floresta. Um dos ícones da cultura popular maranhense e que por quase 9 décadas
se dedicou ao bumba-meu-boi, uma das manifestações folclóricas mais singulares
do estado, mestre e fundador do Boi da Floresta, seu Apolônio faleceu na noite
de terça-feira, 2, deixando um legado incomensurável na cultura maranhense.
Total dedicação e paixão pela brincadeira o levaram a ganhar o título de mestre
pelo Ministério da Cultura e receber em 2011, na cidade de Recife (PE) a
medalha de Ordem do Mérito Cultural, a maior honraria do governo federal
concedida aos artistas brasileiros.
No dia 31 de
março ele se acidentou em casa e teve que submeter a uma cirurgia do fêmur
direito. Desde então ele estava se recuperando normalmente quando pegou uma
infecção e teve que ser internado. Seu
estado era grave e ele respirava com ajuda de aparelhos de ventilação mecânica.
Por último, às 21h ele faleceu de complicações causadas por infecção renal.
Durante toda
a manhã o corpo do Mestre foi velado por familiares, amigos, brincantes do Boi,
representantes de grupos da cultura popular e de produtores culturais ao som do
tambor de crioula. O clima de comoção era muito grande, mas o mestre foi enterrado em uma espécie de celebração por tudo que ele fez em vida. O enterro foi no
Cemitério do Gavião.
Natural do
povoado Canarana, no município de São João Batista, Apolônio Melônio tinha 96
anos, era casado com a produtora cultural Nadir Olga Cruz, com quem teve duas
filhas em 36 anos de casamento. No total ele teve 16 filhos, sendo que cinco
estão vivos. Mesmo com a saúde
fragilizada e a idade avançada, Mestre Apolônio nunca deixou de acompanhar o
boi. No primeiro ensaio do boi nesta temporada de 2015 ele pediu licença a São
João, com quem tinha compromisso, por
não poder estar presente ao ensaio
“O ensaio do
boi da Floresta acontece sob o comando dos seus componentes, com a consciência
do ‘fazer bem feito’ o que sabemos fazer de melhor. Eu, como vassalo de um rei,
meu compromisso ultrapassa a barreira da amizade, gratidão. Estaremos em
parceria até onde nos for permitido. Porque só sabemos se somos amados quando
nos resta somente o ‘significado’ da altivez que um dia demonstramos e mesmo
assim temos alguém que nos quer...e nos cuida com carinho”, disse o Mestre
Apolônio a Nadir Cruz na época.
“Ele tinha medo”
Seu Apolônio
pedia para Nadir não sair de perto dele. Enquanto estava lúcido mostrava força
e fragilidade ao mesmo tempo. “Ele tinha medo. Fizemos uma verdadeira
peregrinação nos hospitais, mas ele sempre foi forte. No Carlos Macieira ele já
não conseguiu ficar sem os tubos e daí em diante não conseguiu mais”, lamenta
Nadir, sem conseguir segurar a emoção.
O velório
aconteceu na casa de Apolônio, que ele transformou na sede do Boi. Segundo
Nadir, foi consenso entre todos do Boi que o Barracão não ficasse marcado pela
tristeza. “Aqui é lugar só de alegria. Era onde ele recebia todos, onde
brincava. Era sério, compromissado quanto tinha que ser, mas era menino quando
precisava ser. E nós decidimos manter a alegria aqui”, conta Nadir.
Apolônio
Melônio era um dos mais antigos cantadores de bumba meu boi do Maranhão. Com 96
anos de idade e quase 90 de cultura popular, ele contava que começou a “mandar
boi”, aos 8 anos, e a cada dia aprendia Foi tocado pelo bumba-meu-boi na
infância vendo os mais velhos brincarem boi em São João Batista, na Baixada
maranhense, e decidiu que era isso que queria fazer, cantar para São João em
grupo de boi. Logo se tornou mestre por atrevimento próprio e chegando à São
Luís para trabalhar, trouxe consigo sua arte, apresentou à ilha este sotaque
novo e personagens como o Cazumba. Apolônio virou além de cantador, dono de
boi. E como ele diz “Mestre eu me atrevi desde cedo, se é defeito, começou
cedo.”
O Boi da Floresta
Já em São
Luís, em 1946, Apolônio Melônio fundou o Boi de Viana, no qual permaneceu até
1959. No ano seguinte, com os companheiros Coxinho, Cobrinha, Lucílio e
Domingos Melônio, criou o Boi de Pindaré, que deu origem a alguns dos mais
importantes grupos de sotaque da Baixada. Em 1972 largou o Pindaré e fundou a Sociedade
Junina Turma de São João Batista (homenageando a cidade que nasceu) com o apoio
do irmão Antônio Melônio. O nome de fantasia do boi ficou sendo Bumba-meu-boi
da Floresta (lugarejo da Liberdade) e que agora é conhecido como Boi da
Floresta de Apolônio Melônio.
Na década de
80, criou o Tambor de Crioula Prazer de São Benedito. Os dois grupos já se
apresentaram em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte, Maceió,
Teresina e no Festival Mundial de Teatro de marionetes, em
Chalerville-Mezières, na França.
Mesmo com o
falecimento do Mestre, as atividades do boi vão continuar. No barracão os
trabalhos irão prossegui na semana que vem para dar conta dos compromissos das
festividades juninas. “Ele é o mestre e nós continuaremos trabalhando com
prazer e satisfação no que ele gostava de fazer e fazia bem feito”, afirma
Nadir Cruz.
Fotos: Giselle Bossard
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