sexta-feira, 5 de junho de 2015

Mestre Apolônio foi cantar no céu



“É uma coisa que eu penso que eu alcancei. O bem viver”
 (depoimento de Mestre Apolônio extraído do documentário Brincando na Floresta)



Íntegro, humilde, companheiro, alegre, de bem com a vida. São essas características que vão ficar para sempre na memória de quem conheceu Apolônio Melônio, o Mestre Apolônio do Boi da Floresta. Um dos ícones da cultura popular maranhense e que por quase 9 décadas se dedicou ao bumba-meu-boi, uma das manifestações folclóricas mais singulares do estado, mestre e fundador do Boi da Floresta, seu Apolônio faleceu na noite de terça-feira, 2, deixando um legado incomensurável na cultura maranhense. Total dedicação e paixão pela brincadeira o levaram a ganhar o título de mestre pelo Ministério da Cultura e receber em 2011, na cidade de Recife (PE) a medalha de Ordem do Mérito Cultural, a maior honraria do governo federal concedida aos artistas brasileiros.
No dia 31 de março ele se acidentou em casa e teve que submeter a uma cirurgia do fêmur direito. Desde então ele estava se recuperando normalmente quando pegou uma infecção e teve que ser internado. Seu estado era grave e ele respirava com ajuda de aparelhos de ventilação mecânica. Por último, às 21h ele faleceu de complicações causadas por infecção renal.
Durante toda a manhã o corpo do Mestre foi velado por familiares, amigos, brincantes do Boi, representantes de grupos da cultura popular e de produtores culturais ao som do tambor de crioula. O clima de comoção era muito grande, mas o mestre foi enterrado em uma espécie de celebração por tudo que ele fez em vida. O enterro foi no Cemitério do Gavião.   
Natural do povoado Canarana, no município de São João Batista, Apolônio Melônio tinha 96 anos, era casado com a produtora cultural Nadir Olga Cruz, com quem teve duas filhas em 36 anos de casamento. No total ele teve 16 filhos, sendo que cinco estão vivos. Mesmo com  a saúde fragilizada e a idade avançada, Mestre Apolônio nunca deixou de acompanhar o boi. No primeiro ensaio do boi nesta temporada de 2015 ele pediu licença a São João, com quem tinha compromisso,  por não poder estar presente ao ensaio   
“O ensaio do boi da Floresta acontece sob o comando dos seus componentes, com a consciência do ‘fazer bem feito’ o que sabemos fazer de melhor. Eu, como vassalo de um rei, meu compromisso ultrapassa a barreira da amizade, gratidão. Estaremos em parceria até onde nos for permitido. Porque só sabemos se somos amados quando nos resta somente o ‘significado’ da altivez que um dia demonstramos e mesmo assim temos alguém que nos quer...e nos cuida com carinho”, disse o Mestre Apolônio a Nadir Cruz na época.

“Ele tinha medo”
Seu Apolônio pedia para Nadir não sair de perto dele. Enquanto estava lúcido mostrava força e fragilidade ao mesmo tempo. “Ele tinha medo. Fizemos uma verdadeira peregrinação nos hospitais, mas ele sempre foi forte. No Carlos Macieira ele já não conseguiu ficar sem os tubos e daí em diante não conseguiu mais”, lamenta Nadir, sem conseguir segurar a emoção.
O velório aconteceu na casa de Apolônio, que ele transformou na sede do Boi. Segundo Nadir, foi consenso entre todos do Boi que o Barracão não ficasse marcado pela tristeza. “Aqui é lugar só de alegria. Era onde ele recebia todos, onde brincava. Era sério, compromissado quanto tinha que ser, mas era menino quando precisava ser. E nós decidimos manter a alegria aqui”, conta Nadir.
Apolônio Melônio era um dos mais antigos cantadores de bumba meu boi do Maranhão. Com 96 anos de idade e quase 90 de cultura popular, ele contava que começou a “mandar boi”, aos 8 anos, e a cada dia aprendia Foi tocado pelo bumba-meu-boi na infância vendo os mais velhos brincarem boi em São João Batista, na Baixada maranhense, e decidiu que era isso que queria fazer, cantar para São João em grupo de boi. Logo se tornou mestre por atrevimento próprio e chegando à São Luís para trabalhar, trouxe consigo sua arte, apresentou à ilha este sotaque novo e personagens como o Cazumba. Apolônio virou além de cantador, dono de boi. E como ele diz “Mestre eu me atrevi desde cedo, se é defeito, começou cedo.”
 
O Boi da Floresta
Já em São Luís, em 1946, Apolônio Melônio fundou o Boi de Viana, no qual permaneceu até 1959. No ano seguinte, com os companheiros Coxinho, Cobrinha, Lucílio e Domingos Melônio, criou o Boi de Pindaré, que deu origem a alguns dos mais importantes grupos de sotaque da Baixada. Em 1972 largou o Pindaré e fundou a Sociedade Junina Turma de São João Batista (homenageando a cidade que nasceu) com o apoio do irmão Antônio Melônio. O nome de fantasia do boi ficou sendo Bumba-meu-boi da Floresta (lugarejo da Liberdade) e que agora é conhecido como Boi da Floresta de Apolônio Melônio.
Na década de 80, criou o Tambor de Crioula Prazer de São Benedito. Os dois grupos já se apresentaram em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte, Maceió, Teresina e no Festival Mundial de Teatro de marionetes, em Chalerville-Mezières, na França.
Mesmo com o falecimento do Mestre, as atividades do boi vão continuar. No barracão os trabalhos irão prossegui na semana que vem para dar conta dos compromissos das festividades juninas. “Ele é o mestre e nós continuaremos trabalhando com prazer e satisfação no que ele gostava de fazer e fazia bem feito”, afirma Nadir Cruz.

Fotos: Giselle Bossard

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