Era apenas um bate papo, mas terminou em
um boletim de ocorrência registrado no Plantão Central da Cajazeiras. A coreira
e produtora cultural Carla Belfort, conhecida no meio cultural como Carla
Coreira, estava conversando com uns amigos na calçada em frente a um
restaurante quando foram abordados por um garçom que perguntou aos amigos dela,
se estavam sendo incomodados. Quem conta melhor essa história que aconteceu na
última sexta-feira, 14, é a própria Carla.
“Eu fui convidada por uma amiga para
fazer caminhada, depois estava tendo uma programação na Praça Nauro Machado e
nós ficamos lá um pouco. Essa minha amiga branca queria ir ao banheiro e entrou
no Flor de Vinagreira (restaurante que fica no Centro Histórico também)
normalmente. Eu fiquei esperando na calçada, quando vi uns amigos que estavam
em uma mesa. A gente começou a conversar sobre as oficinas de tambor de crioula
que eu dou, quando chega um garçom e pergunta a eles, que eram brancos, se eu
estava incomodando”, contou.
Na hora, ela disse que ficou tão
constrangida que não esboçou reação. Apenas virou as costas e foi embora. “Eu
estava ali, e passando aquela vergonha apenas por ser negra. Todos me olhando,
me constrangendo. Fui embora, me perguntando o porquê. Depois caiu a ficha e eu
resolvi que ia denunciar, não ia e nem vou me calar”, disse.
No dia seguinte (15) ela registrou um
boletim de ocorrência no Plantão Central da Cazeiras, segundo consta no
documento a denúncia foi enquadrada no artigo 140, parágrafo 3º do CPB: “injúria
com conotação racista, cor, etnia, religião, origem, idoso ou portador de
deficiência”.
“Vou atrás dos meus direitos. A gente
não pode se calar. Não é a primeira vez que isso acontece lá naquele
restaurante. Botei a boca no trombone, nas publicações nas redes sociais tem
vários comentários de pessoas apoiando ou dizendo que passaram pela mesma
situação”, lamentou Carla Belfort.
Entramos em contato com o restaurante
citado, pelos telefones que constam em seus perfis nas redes sociais, mas o
telefone não foi atendido.
Em uma publicação no canal de vídeos
YouTube, o proprietário e administrador do restaurante. Francisco Neto, diz
que: “nosso restaurante não pratica racismo, nem injúria racial, e que suas
atividades são baseadas em padrões morais e éticos cada vez mais elevados,
respeitando a todos e todas. Em nossa empresa possuímos profissionais
capacitados, gerentes e maitres, e em
nenhum momento recebemos qualquer reclamação dessa natureza”. O empresário diz ainda que acionou os seus
advogados que analisarão a forma de defender a empresa.
Na postagem que Carla Coreira publicou
nas redes sociais, ela se refere a uma estátua de uma negra que fica na frente
do restaurante. “Usa imagem de mulher negra para decorar o local e pratica
racismo. E mais, usam o espaço público, que é uma calçada, como espaço privado”.
Sobre a imagem, Francisco Neto falou que “a obra de arte é mais uma das muitas
que compõe o acervo do restaurante”.
Repercussão
A postagem e a denúncia de Carla Coreira
alcançou uma grande repercussão nas redes sociais. A jornalista Lissandra Leite
comentou na postagem: “Em dezembro, uma amiga estava neste restaurante com o
companheiro e a irmã, aguardando um amigo chegar. Os três, brancos. O amigo
aguardado, negro. Quando o amigo negro chegou e foi até a mesa, um funcionário
da casa agiu exatamente da mesma forma: foi até a mesa e perguntou aos três: ‘Ele
está com vocês? ’. O funcionário virou o rosto para ele, o ignorou e fez a
pergunta ‘pros’ três brancos da mesa! Ele já estava sentado, conversando. Um
desrespeito sem tamanho, assim como fizeram com a Carla”, diz um trecho da
postagem.
Outros comentários relembraram o
episódio. “Não é a primeira vez. Até quando tratar com racismo”, dizia um.
Na época, em dezembro do ano passado,
repercutiu muito nas redes sociais a acusação do jovem identificado como
Guilherme de que teria sofrido racismo por parte de um segurança do restaurante
Flor de Vinagreira, quando o rapaz ia adentrar o estabelecimento. O jovem
atribuiu o caso por causa da cor de sua pele e por estar de chinelo e moletom
enquanto outros clientes brancos também “desarrumados” não haviam sido barrados.
Na época o restaurante publicou uma nota
que dizia, entre outras palavras que não discrimina “com base em percepções
sociais baseadas em diferenças biológicas entre os povos”.
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