Radicado há mais de 10 anos em São
Paulo, o dramaturgo maranhense Zen Salles vem conquistando com seu
talento os palcos e a exigente cena cultural da cidade. Após encerrar
temporada, a peça Genet, o Poeta Ladrão voltará a ser apresentada nos
próximos meses. Sucesso de público e crítica na programação teatral
paulistana, alguns de seus textos dramáticos – como Pororoca – já se
tornaram objeto de pesquisas acadêmicas. E o reconhecimento parte também
dos inúmeros espectadores que o abordam para expressar a admiração pela
sua arte.
Mas tamanho sucesso foi alcançado com muita dedicação e
trabalho. Em pleno sábado à noite, uma postagem de Zen Salles nas redes
sociais funciona como escape apenas para dizer que ele está absorvido
na criação de seus textos, enquanto pulsa a metrópole que tanto o
fascina, palpitando arte e cultura.
Na entrevista a seguir, concedida por correio eletrônico a
O Imparcial,
Zen Salles trata, dentre outros temas, dos inúmeros projetos em que
está atualmente envolvido, para teatro, televisão e cinema. A partir de
hoje, a plateia de São Luís terá a oportunidade de assistir a uma
montagem teatral baseada nos textos do dramaturgo. Com direção de
Charles Melo, a Cia. Direto da Fonte apresenta o espetáculo Zen, de hoje
a sexta-feira (2 a 5), às 20h, no Teatro Alcione Nazaré.
O nome da produção Zen faz alguma referência ao próprio autor?“A
culpa pelo nome Zen é do Charles Melo, diretor do espetáculo. Fiquei
até surpreso quando soube, mas ao mesmo tempo me senti homenageado. Foi o
Charles que teve contato com os meus textos e decidiu fazer esse
projeto com a Cia. Direto da Fonte”.
Existe uma relação entre os textos que compõem a peça?“Basicamente
o que eles têm em comum é o fato da cidade de São Paulo estar bem viva
em todas as cenas como um “catalisador” para as ações, apesar de a
temática ser bastante universal, podendo acontecer em qualquer grande
cidade do mundo”.
Sua fase atual tem sido de muito trabalho?“Muito
trabalho e são diversos textos, com projetos individuais e outros por
encomenda. Por causa do enorme sucesso tanto de crítica como de público
de peças como Genet, o Poeta Ladrão e Pororoca, naturalmente que recebi
vários convites, a maioria em teatro, alguns em televisão e até mesmo no
cinema. Gostaria de aceitar outras propostas que me foram feitas, pois
realmente curto o que faço. Mas me falta tempo para tanta dedicação e,
também, para o nível de qualidade que eu acabo exigindo na minha
escrita”.
Pode dar exemplos de alguns desses trabalhos?“No
momento, só para citar o teatro, estou escrevendo seis peças ao mesmo
tempo: Orgia, IN_Utensílios, Autofagia, Tadzio, Cora Curiosa (infantil
baseado na obra de Neil Gaiman) e Unanimidade, inspirado no universo de
Nelson Rodrigues. Canso só de pensar. Tudo isso também exige muita
pesquisa, não é só chegar e escrever. É por isso que ando “sacrificando”
até meu o sábado à noite”.
Genet, o Poeta Ladrão encerrou temporada ou segue sendo encenado?“Tenho
maior orgulho dessa peça, acho assombrosamente linda, um momento de
epifania na minha carreira de dramaturgo. Mas Genet é uma peça com um
elenco de dez ótimos atores, o que é bem difícil de manter. Muito deles
estão fazendo novela e cinema. Foi complicadíssimo agendar uma turnê com
a peça. Mas ela volta, sim, agora em outubro e novembro, para
apresentações em teatros da prefeitura de São Paulo e, provavelmente, no
Festival Mix Brasil”.
Um desses trabalhos atuais, Tadzio, é baseado no livro Morte em Veneza.“Faz
tempo que estou pirando e elaborando essa ideia, muito antes de
escrever Genet. Fui desafiado a escrever esse texto inspirado na obra do
Thomas Mann [escritor alemão] e acho que chegou o momento. Tenho
curtido bastante o meu Tadzio, até porque fala de um assunto delicado e
controvertido, de um cara mais velho que se apaixona platonicamente por
um menino. Para alguns não deixa de se configurar como pedofilia. Só
que, controvérsias à parte, já adianto que o meu Tadzio não tem nada de
inocente. Ele sabe muito bem o quer. Gustav [a personagem adulta] que se
cuide. (Risos)”
Conte sobre sua primeira experiência em escrever um texto em parceria, a peça Orgia, com Denise de Oliveira Freire.“Orgia
é baseado em uma notícia que viralizou rapidamente nas redes sociais
sobre um bacanal protagonizado por idosos em um asilo da Inglaterra. Daí
eu tive essa ideia de adaptar esse fato para a nossa realidade
brasileira. Nunca tinha escrito uma peça a quatro mãos e está sendo uma
delícia”.
O reconhecimento pelo seu trabalho de alguma forma o envaidece?“Envaidece
e preocupa. De repente a tua obra vira referência para quase todo
mundo. Já li coisas na blogosfera como “eu quero escrever como o Zen”. É
massa ler isso, mas aumenta, sim, a tua responsabilidade. Até porque, a
cada trabalho, as pessoas ficam sempre esperando mais de você, criando
expectativas... Isso pode ser ótimo como também ser péssimo. Mas, enfim,
isso é o reconhecimento de um trabalho bem feito”.
A exposição pessoal nas redes sociais o incomoda?Olha,
acho que cada um faz o que quiser nas redes sociais. Eu as utilizo para
divulgar minhas peças e, às vezes, falo o que eu estou sentindo no meu
Inventário de um Dramaturgo Muito Vivo, que tem a ver mais com os dramas
da minha produção criativa. O fato é que a internet é um novo canal de
comunicação e eu não deixo de ser um formador de opinião, mesmo que
possa me equivocar em alguns momentos... Ainda bem que ninguém é
perfeito!
Em São Paulo, como seguem suas conexões com o meio artístico maranhense?Estou
aqui em São Paulo há mais de dez anos. Saí de São Luís com meus 26
anos. Trabalhei em vários jornais e fiz grandes amigos. Sempre vou aí e
quase todo mundo já ouviu falar sobre a repercussão do meu trabalho aqui
em Sampa, o que gera uma curiosidade natural. Até porque todos nós
sabemos do alto nível da dramaturgia produzida na capital paulista, onde
sou constantemente indicado a prêmios e convidado pelos maiores
diretores teatrais e da tevê.
E quanto ao convite para um trabalho na Rede Globo, o que já é possível divulgar?“Só
te digo duas coisas: existe vida fora da Globo e as séries que serão
produzidas nos canais fechados nos próximos anos têm tudo o que sonha
qualquer roteirista e dramaturgo que se preze. [Em segundo lugar] Quando
a gente entra nessas coisas, um contrato é assinado e você não pode
falar nada pra ninguém. E se vazar, você pode pagar uma multa absurda”.
Experiência teatralZen
é uma reunião de textos curtos de Zen Salles, com temática
eminentemente urbana. De acordo com o autor, Agridoce trata de uma mãe
que esquece os filhos dentro do carro, On $ale aborda o mundo da
prostituição masculina numa grande metrópole, enquanto 1,26 foi
inspirado em casos como o da assassina Suzane von Richthofen.
O
diretor Charles Melo informou a reportagem que o projeto original
incluía ainda a encenação de Apneia (um rapaz que perde o braço em um
atropelamento na Avenida Paulista), já apresentado em montagem anterior
da Cia. Direto da Fonte, conquistando a primeira colocação no Festival
Nacional de Cenas Curtas, realizado em Belém (PA). No entanto, a
produção manteve o texto fora da estreia por questões técnicas.
“Zen
Salles vem sendo considerado um dos maiores dramaturgos brasileiros da
atualidade”, disse Charles Melo, que já conhecia o trabalho a partir da
montagem de Siameses e da leitura dramática de Agridoce. Para a produção
de Zen, autor e diretor mantiveram contato à distância para a escolha
dos textos. A trilha sonora passou por um processo semelhante, pois foi
composta especialmente para o espetáculo pelo músico Eduardo Patrício,
que reside na Irlanda. Apontando Zen como um trabalho de dramaturgia
tradicional, Charles Melo disse que esta é a quarta produção da Cia.
Direto da Fonte, que em cinco anos de atividades já realizou as peças
Poema para Che, Toilet e Rimbaudemônio. Até o fim do ano, a companhia
prepara a estreia da peça A Paixão segundo Alcântara, baseada em poemas
de Luís Augusto Cassas, e a conclusão da montagem do filme de
longa-metragem Itapecuru – Caminho de Pedras Miúdas.
SERVIÇOO quê? Espetáculo teatral Zen
Quando? Até sexta-feira (5), às 20h
Onde? Teatro Alcione Nazaré (Centro de Criatividade Odylo Costa, filho – Praia Grande)
Quanto? R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia)