Abaixo uma das últimas matérias que fiz com ele (publicada no Jornal O Imparcial) e que mostrava um pouco do qto era apaixonado por livros.
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Foi
no seu mundo particular, rodeado por 35 mil títulos, uma máquina de
datilografia, lupas, papéis e canetas, que o escritor maranhense, imortal da
Academia Maranhense de Letras, Jomar Moraes nos recebeu para uma entrevista.
Meio acanhado, de voz mansa, modesto e muito educado, esse senhor de 75 anos,
de uma memória incrível e de uma vontade de povoar o mundo com leitura nos
contou sobre a sua rotina, o amor pelos livros, seu trabalho como editor e reeditor
e da ciumeira que tem com seus livros, entre outras coisas.
Impossível,
para quem gosta de leitura, não se encantar pela estante gigante que o escritor
possui. O caminho é por uma estreita escada de madeira, que para ele funciona
como uma atividade física diária. Respira-se literatura o tempo todo ali
naquele espaço, naquela biblioteca particular que se abre para poucos
privilegiados, como estudantes e pesquisadores que pedem licença para consultar
as obras que ali estão. E são dos mais variados gêneros, autores e épocas.
Raridades, por exemplo, como a 1ª edição do primeiro livro sistemático da
história do Maranhão: Annaes Históricos
do Estado do Maranhão, de Bernardo Pereira de Berredo, datado de 1749. E
Jomar exibe com orgulho o exemplar de mais de duzentos anos tão bem conservado.
Ele
passa o dia todo na biblioteca e tem saídas esporádicas. O que ele gosta mesmo
é de estar entre os livros. “Tenho com o livro uma relação de amor pelo livro,
sou bibliófilo. E, além disso, tenho
mania deles”, comenta Jomar.
Do
lado do computador, uma máquina de escrever Olympia, comprada há 30 anos, exibe
uma folha datilografada pela metade. É nela, um pouco desgastada pelo tempo,
mas também muito conservada, que Jomar despeja toda a sua criação. Depois ele passa
para a secretária digitar. Pergunto se é uma resistência à tecnologia. “Não. Não
é resistência, admiro a tecnologia. Nesse caso é inabilidade mesmo. Quanto a
isso me considero burro. Sou a única pessoa que não aprendeu a lidar com
computador. Mas a máquina está há 30 anos aí e esse já é o terceiro computador”,
ressalta.
A
máquina foi comprada com o dinheiro de um concurso que Jomar ganhou na Academia
Maranhense de Letras, quando ainda não era acadêmico, ele esclarece. “Claro que
o acadêmico não pode participar de concurso. Antes de entrar para a Academia eu
participei de vários concursos. Me qualifiquei para entrar para a Academia”,
conta.
Foi
em 1969 que ele se tornou acadêmico. E da Casa foi presidente por 22 anos
consecutivos. Considera que contribuiu bastante ao encontrar um lugar, “de
certa forma”, diz ele, “desarrumado”. “Eu organizei a publicação do Estatuto e Regimento Interno. Era
preciso para fazer a história da Casa. Então tem publicado desde o primeiro que
foi feito, em 1908. Também criei a obra Perfis
Acadêmicos (a última edição foi no ano passado) porque, sem querer falar
mal da Academia, tinha que ser feita uma arrumação, saber quem eram os
acadêmicos. Daí toda vez que se faz necessário atualizar, faço uma nova
edição”, explica.
A Academia Maranhense de Letras lança em média
8 livros por ano. Atualmente o escritor está trabalhando na edição e reedição
de algumas obras do pesquisador e historiador Mário Meireles, uma vez que este
ano comemora-se o centenário de nascimento dele. História do Maranhão (5ª edição), História de São Luís (2ª edição) e a inédita Efemérides Maranhenses, são as obras que tomam parte do dia de
Jomar Moraes.
Além
disso, ele está reeditando a obra poética do poeta Maranhão Sobrinho. Os livros
Estatuetas, Papéis Velhos e Vitórias Régias somam-se aos escritos
publicados em periódicos locais. Este ano também comemora-se o centenário do
poeta. O centenário de morte. As obras devem ser lançadas pelo selo da Academia
em dezembro deste ano.
Ele
já editou mais de 100 livros e reeditou outros 70. Há 15 anos o escritor também
faz o calendário da Academia, patrocinado pela Fundação Sousândrade, e que a
cada ano exibe uma homenagem a um escritor. Este ano é o ano cultural Mário
Meireles.
“Eu
faço o trabalho pelo autor que não pode mais fazer. E faço com muito prazer”,
comenta o escritor sobre o trabalho do
editor.
O acadêmico
Jomar
Moraes nasceu em Guimarães (MA) em 6 de
maio de 1940. Filho de José Alipio de Moraes Filho e Marcolina Cyriaca da
Silva. Pesquisador, ensaísta, cronista, crítico e historiador da literatura
maranhense. Editor de textos; mantém assídua colaboração na imprensa de São
Luís.
Bacharel
em Direito pela Universidade Federal do Maranhão, Especialista em Direito
Empresarial, Especialista em Comunicação Social, Mestre em História e Doutor
Honoris Causa da UEMA (em 2010). Sua
primeira função foi soldado da Polícia Militar do Maranhão (1959 a 1967).
As recomendações
Pedimos
para o escritor recomendar alguns livros para o leitor. Ele diz que depende
muito do que o leitor procura, mas cita algumas obras que ele considera
indispensáveis para a leitura. Eis as obras:
O Coronel e o Lobisomem – José Cândido de
Carvalho
Vidas Secas – Graciliano Ramos
O Quinze – Rachel de Queiroz
O Sargento Getúlio – João Ubaldo Ribeiro
Viva o Povo Brasileiro - João Ubaldo
Ribeiro
Entrevista
Jomar Moraes
Como é a sua rotina?
Eu
acordo cedo, às 6 da manhã, tomo café e venho para cá (biblioteca). Aqui penso
na crônica que eu publico e atualmente me dedico às obras de Mário Meireles e
de Maranhão Sobrinho. Datilografo e depois passo para a minha secretária
digitar. Aí vou me dedicar à biblioteca, que exige cuidados permanentes, leio
muito. É isso. Esse aqui é o meu mundo. Aqui tem tudo que preciso. Não preciso
sair para pesquisar em outro lugar. Tenho tudo aqui.
Sobre a máquina de escrever...
É
um dado importante. Tenho ela há 30 anos e comprei com dinheiro dos concursos
que ganhava. Eu era de origem muito pobre, viu Patricia? Então tinha ocasião em
que eu precisava optar por uma camisa, um sapato ou um livro. E geralmente eu
escolhia o livro (risos). Não montei minha biblioteca como muitos fazem
por aí comprando muitos livros. Cada
livro foi comprado um por um.
O senhor lembra qual foi o primeiro livro
que comprou?
Não.
E o senhor já leu todos os livros que
possui?
Não.
É humanamente impossível. Eu compro livros para ler e depois porque é fonte de
pesquisa para o meu trabalho. Trabalho muito e não preciso ir para outro lugar.
Eu faço as minhas pesquisas na minha própria biblioteca. Gosto de vê-los assim
perfilados, como se tivessem fazendo continência para mim.
O senhor empresta os seus livros?
Nunca.
Se eu emprestasse eu não teria essa biblioteca. Tem um ditado que diz: “Ninguém
descobriu ainda quem é mais besta. Se a pessoa que empresta ou a que devolve”.
E já tive casos de surrupiagem. Não empresto nem para a família. Tenho uma
filha que gosta muito de ler, então ela pede, leva para o quarto dela e eu fico
perguntando: “cadê o livro”? (risos). Eu empresto para ler aqui mesmo. Tenho
com livros uma relação de amor. Considero que são seres inteligentes ou burros.
Porque há livros bons e ruins, mas qualquer leitura acrescenta. A má porque
ensina como não fazer um livro ruim.
Que livro o senhor está lendo agora?
Ih
(pensa). Vários. Leio vários ao mesmo tempo, mas posso citar a biografia de
Jorge Luis Borges que é um escritor argentino e estou relendo pela quarta vez, Itenerário de Pasárgada, de Manuel
Bandeira, que é sobre a experiência poética dele.
Como é que o senhor avalia o mercado
editorial de São Luís?
Vejo com tristeza e apreensão um mercado ruim
financeiramente falando. É só você contar quantas farmácias tem e quantas livrarias estão funcionando. Eu
vejo a Livraria Leitura, com duas grandes livrarias com um sortimento muito
grande de best sellers, que é uma
leitura descartável, mas de qualquer modo, é melhor ler best seller, do que não
ler nada. Sempre vou lá às vezes para ver as novidades, e outras para comprar.
E qual foi o último livro que o senhor
comprou?
De Karpfen a Carpeaux, de Mano Souza
Ventura. Compre na Livraria Resistência, do amigo Loredo. Tem também a Livraria
Vozes, de Milton Lira. Essas livrarias prestam um grande serviço à resistência
cultural. Sendo uma livraria só como elas são, é muito difícil. São pessoas
abnegadas que fazem isso mais por gostar, do que por negócio. Livraria não é
bom negócio financeiramente, porque se fosse, São Luís teria várias. Farmácia é
um bom negócio!
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