*Wanderson Lima Nicolau
Há quem torça o nariz, mas é fato: Anitta, funkeira do
subúrbio carioca, entrou para a história da cultura pop ao ocupar o primeiro
lugar das paradas com a música “Envolver”, a mais ouvida do mundo na última
sexta-feira, 25 de março. Foi a primeira vez que uma artista latino-americana
atingiu a marca com uma canção solo, sem feat. Em 24 horas, apenas no serviço
de streaming Spotify, a obra cantada em espanhol foi ouvida mais de 6,3 milhões
de vezes, impulsionada pelos fãs brasileiros e de outros países latinos.
Se antes o sucesso era materializado na venda de discos, na
execução de músicas pelas rádios (com direito ao famoso “jabá”, que resiste até
hoje) e quantidade de público em shows, hoje, na era da música digital e do
mundo globalizado afetado pela pandemia, o streaming se tornou a balança que
mensura quem vende, gera lucro e alcança popularidade em escala planetária.
O peso reside na quantidade de vezes em que a música é
reproduzida em uma das várias plataformas disponíveis no mercado, como Apple
Music, Spotify, Deezer, YouTube, SoundCloud, Amazon Music, entre outras. A
popularidade de um artista também é potencializada pela quantidade e
engajamento de seguidores em redes sociais, um sistema complexo que se
retroalimenta e está em constante diálogo com o universo do streaming. Likes,
compartilhamentos e views resultam em lucro. Este é o business.
A cultura pop é um fenômeno ligado aos meios de comunicação
de massa. O sociólogo britânico Anthony Giddens entende a “pop culture” como um
entretenimento criado para grandes audiências, que podemos materializar nas
redes sociais e plataformas digitais. Outro estudioso que nos ajuda a avançar
na análise é Stuart Hall, que considera cultura popular aquilo que foi excluído
da cultura dominante da elite em determinada sociedade, criando uma espécie de
subcultura.
Lembremos do caso do nosso bumba-meu-boi, hoje tido como o
maior baluarte do folclore maranhense, mas, que até a década de 1940, convivia
com a proibição de os grupos se apresentarem no Centro de São Luís,
restringindo-se aos bairros de periferia, como o João Paulo, palco da popular
Festa de São Marçal, em 30 de junho. O próprio Câmara Cascudo, no Dicionário do
Folclore Brasileiro, sintetizou o pensamento reinante da época: “O
bumba-meu-boi é o divertimento da gente de pé-rapado”.
Faço este resgate histórico para mostrar que a cultura é
dinâmica, ainda mais a popular, que é produzida pela e/ou para as massas. Ainda
assim, é preciso cuidado para não cair na armadilha do elitismo cultural e da
ideia de alta e baixa cultura. Os tempos mudaram e quem não acompanha as
mudanças não entende a própria sociedade em que vive. Estamos cada vez mais
dependentes das novas tecnologias, que democratizaram o acesso aos diversos
bens culturais imateriais, e revolucionaram a forma como os artistas interagem com
os fãs, apresentam seus trabalhos e vendem músicas e shows.
No ano passado, a Federação Internacional da Indústria
Fonográfica (IFPI) realizou um estudo com 43 mil pessoas de 21 países,
incluindo o Brasil, que revelou os três motivos que fazem com que os usuários
paguem pelo serviço de streaming: ausência de anúncios durante execução das
músicas, flexibilidade para ouvir o que e quando quiser e acesso a milhões de
canções.
O Brasil se tornou o 11º maior mercado da indústria fonográfica
mundial, com faturamento superior a R$ 2 bilhões em 2021, sendo 85,6% das
receitas provenientes do streaming. Na América Latina este mercado cresceu mais
de 30% no último ano, índice só superado pelo Oriente Médio e norte da África,
que alcançaram 35% de alta. No mundo, o mercado da música subiu 18,5%.
A pesquisa também mostra que a média semanal, por usuário, é
de 18,4 horas dedicadas ao prazer de ouvir canções. 80% das pessoas afirmaram
que a música ajudou com o bem-estar emocional durante a pandemia. No caso do
Brasil, 61% dos usuários das plataformas de streaming acompanharam lives de
seus artistas prediletos, maior engajamento registrado no estudo. Quanto aos
estilos musicais mais ouvidos no mundo, o pop está na liderança, seguido pelo
rock e canções dos anos 1990 e 1980. O soul/blues aparece em 10º lugar.
Amanhã, o ranking das músicas mais baixadas e reproduzidas
via streaming vai mudar. Esta é a dinâmica da cultura pop: um mercado sempre
ávido por novidades e marcado por produtos com prazo de validade, apresentados
em ritmo frenético. O estudo também aponta que 67% das pessoas ouviram novas
músicas ou conheceram novos artistas via streaming.
Anitta foi descoberta por novos usuários das plataformas com
ajuda da coreografia da música “Envolver”, que viralizou em redes sociais como
TikTok, Instagram e Twitter. Não foi acaso e nem sorte, foi muito marketing e
planejamento para “El Paso de Anitta” se tornar uma febre mundial. Foi um mês
de campanha até atingir o ápice do streaming mundial. Um feito a ser celebrado
por ela, mas que nos mostra o quanto é difícil conquistar espaço na cultura pop
e continuar em alta. No próximo mês, a artista promete lançar o primeiro álbum
internacional. Vejamos quais caminhos o produto seguirá.
*Mestre em Comunicação e especialista em Jornalismo Cultural na Contemporaneidade pela Universidade Federal do Maranhão
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