segunda-feira, 28 de março de 2022

O que mudou no mundo da música para Anitta atingir o topo das paradas?






 *Wanderson Lima Nicolau

Há quem torça o nariz, mas é fato: Anitta, funkeira do subúrbio carioca, entrou para a história da cultura pop ao ocupar o primeiro lugar das paradas com a música “Envolver”, a mais ouvida do mundo na última sexta-feira, 25 de março. Foi a primeira vez que uma artista latino-americana atingiu a marca com uma canção solo, sem feat. Em 24 horas, apenas no serviço de streaming Spotify, a obra cantada em espanhol foi ouvida mais de 6,3 milhões de vezes, impulsionada pelos fãs brasileiros e de outros países latinos.

 

Se antes o sucesso era materializado na venda de discos, na execução de músicas pelas rádios (com direito ao famoso “jabá”, que resiste até hoje) e quantidade de público em shows, hoje, na era da música digital e do mundo globalizado afetado pela pandemia, o streaming se tornou a balança que mensura quem vende, gera lucro e alcança popularidade em escala planetária.

 

O peso reside na quantidade de vezes em que a música é reproduzida em uma das várias plataformas disponíveis no mercado, como Apple Music, Spotify, Deezer, YouTube, SoundCloud, Amazon Music, entre outras. A popularidade de um artista também é potencializada pela quantidade e engajamento de seguidores em redes sociais, um sistema complexo que se retroalimenta e está em constante diálogo com o universo do streaming. Likes, compartilhamentos e views resultam em lucro. Este é o business. 

 

A cultura pop é um fenômeno ligado aos meios de comunicação de massa. O sociólogo britânico Anthony Giddens entende a “pop culture” como um entretenimento criado para grandes audiências, que podemos materializar nas redes sociais e plataformas digitais. Outro estudioso que nos ajuda a avançar na análise é Stuart Hall, que considera cultura popular aquilo que foi excluído da cultura dominante da elite em determinada sociedade, criando uma espécie de subcultura.

 

Lembremos do caso do nosso bumba-meu-boi, hoje tido como o maior baluarte do folclore maranhense, mas, que até a década de 1940, convivia com a proibição de os grupos se apresentarem no Centro de São Luís, restringindo-se aos bairros de periferia, como o João Paulo, palco da popular Festa de São Marçal, em 30 de junho. O próprio Câmara Cascudo, no Dicionário do Folclore Brasileiro, sintetizou o pensamento reinante da época: “O bumba-meu-boi é o divertimento da gente de pé-rapado”.

 

Faço este resgate histórico para mostrar que a cultura é dinâmica, ainda mais a popular, que é produzida pela e/ou para as massas. Ainda assim, é preciso cuidado para não cair na armadilha do elitismo cultural e da ideia de alta e baixa cultura. Os tempos mudaram e quem não acompanha as mudanças não entende a própria sociedade em que vive. Estamos cada vez mais dependentes das novas tecnologias, que democratizaram o acesso aos diversos bens culturais imateriais, e revolucionaram a forma como os artistas interagem com os fãs, apresentam seus trabalhos e vendem músicas e shows.

 

No ano passado, a Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI) realizou um estudo com 43 mil pessoas de 21 países, incluindo o Brasil, que revelou os três motivos que fazem com que os usuários paguem pelo serviço de streaming: ausência de anúncios durante execução das músicas, flexibilidade para ouvir o que e quando quiser e acesso a milhões de canções.

 

O Brasil se tornou o 11º maior mercado da indústria fonográfica mundial, com faturamento superior a R$ 2 bilhões em 2021, sendo 85,6% das receitas provenientes do streaming. Na América Latina este mercado cresceu mais de 30% no último ano, índice só superado pelo Oriente Médio e norte da África, que alcançaram 35% de alta. No mundo, o mercado da música subiu 18,5%.

 

A pesquisa também mostra que a média semanal, por usuário, é de 18,4 horas dedicadas ao prazer de ouvir canções. 80% das pessoas afirmaram que a música ajudou com o bem-estar emocional durante a pandemia. No caso do Brasil, 61% dos usuários das plataformas de streaming acompanharam lives de seus artistas prediletos, maior engajamento registrado no estudo. Quanto aos estilos musicais mais ouvidos no mundo, o pop está na liderança, seguido pelo rock e canções dos anos 1990 e 1980. O soul/blues aparece em 10º lugar.

 

Amanhã, o ranking das músicas mais baixadas e reproduzidas via streaming vai mudar. Esta é a dinâmica da cultura pop: um mercado sempre ávido por novidades e marcado por produtos com prazo de validade, apresentados em ritmo frenético. O estudo também aponta que 67% das pessoas ouviram novas músicas ou conheceram novos artistas via streaming.

 

Anitta foi descoberta por novos usuários das plataformas com ajuda da coreografia da música “Envolver”, que viralizou em redes sociais como TikTok, Instagram e Twitter. Não foi acaso e nem sorte, foi muito marketing e planejamento para “El Paso de Anitta” se tornar uma febre mundial. Foi um mês de campanha até atingir o ápice do streaming mundial. Um feito a ser celebrado por ela, mas que nos mostra o quanto é difícil conquistar espaço na cultura pop e continuar em alta. No próximo mês, a artista promete lançar o primeiro álbum internacional. Vejamos quais caminhos o produto seguirá.


*Mestre em Comunicação e especialista em Jornalismo Cultural na Contemporaneidade pela Universidade Federal do Maranhão

 

 

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