Por Patricia Cunha
“Mesquinho e humilde livro é este que vos apresento, leitor. Sei que passará entre o indiferentismo glacial de uns e o riso mofado de outros, e ainda assim o dou a lume. […] Deixai, pois, que a minha ÚRSULA, tímida e acanhada, sem dotes da natureza, nem enfeites e louçanias da arte, caminhe entre vós.” - Maria Firmina dos Reis, no livro “Úrsula”.
O 11 de março de 2022 é uma data
emblemática que marca o bicentenário de nascimento de Maria Firmina dos Reis, maranhense,
primeira
romancista negra brasileira. Nascida em São Luís a 11 março de 1822, Maria Firmina faleceu em 11 de novembro de 1917, aos 95 anos, na cidade de Guimarães. Teve em
vida o privilégio de presenciar a Abolição da Escravatura e a Proclamação da
República. Foi registrada como filha de João Pedro Esteves e Leonor Felipe dos
Reis, prima do escritor maranhense Sotero dos Reis por parte de mãe. Em 1830,
mudou-se com a família para a Vila de São José de Guimarães (Guimarães-MA).
Sua obra literária
e sua importância na história ganharam o mundo num passado não tão distante. Pesquisadores,
escritores, articulistas, curiosos e especialistas vem dando, paulatinamente, a
importância e a reverência que a vida e a obra dessa maranhense merecem. Um
deles, é o magistrado Agenor Gomes, que lança nesta sexta-feira, 11, a obra
literária de sua autoria “Maria Firmina dos Reis e cotidiano da escravidão no
Brasil”, em solenidade que acontecerá às 17h, no auditório da sede
administrativa da Associação dos Magistrados do Maranhão, no Calhau, com evento
aberto ao público, e atenção às restrições cabíveis contra a Covid-19.
Foram 3 anos de
trabalho de pesquisa, de coleta, de investigação em bibliotecas; arquivos dos
municípios de Pinheiro, Guimarães e São Luís, e ainda do Tribunal de Justiça;
cartórios, até que fossem reunidos todos os elementos para resultar em um
trabalho de 360 páginas, divididos 13 capítulos. A obra tem ainda 81 fotos
relacionadas a documentos que foram encontrados e fala de diversos aspectos da
vida de Maria Firmina, para além da vida de escritora.
O livro possui
15 documentos inéditos ainda desconhecidos da vida de Maria Firmina, como
procurações, documentos assinados ao longo da trajetória, quando ainda jovem,
até a última assinatura quando ela já está cega.
O autor, nascido
em Guimarães, disse que cresceu vendo toda a cidade lembrando Maria Firmina
como a professora referência da cidade, com nomes e espaços que tem o seu nome.
Tempos depois, já formado em Direito e participante do Instituto Histórico de
Guimarães, participou de uma edição da Feira do Livro do qual Maria Firmina era
patrona. A partir daí, observando que as pessoas tinham curiosidade de saber
mais referências sobre a vida de Maria Firmina em Guimarães, decidiu fazer a
biografia.
“Nós conseguimos localizar o registro de óbito
da africana Engrácia, avó de Maria Firmina. Eu estava muito empenhado em saber
a origem do lado materno da nossa romancista. A pesquisa traz esta revelação. A
sua avó Engrácia veio a bordo de um navio tumbeiro (negreiro) no porão. Ela
chega em São Luís e é adquirida no comércio por um comendador que era um dos
maiores comerciantes de negros escravizados em São Luís, Caetano José Teixeira.
Ela é vendida para a família do professor Sotero dos Reis. Depois vem Leonor,
mãe de Maria Firmina, até chegar Maria Firmina. Veja então o destino que podia
ser reservado para uma mulher africana escravizada que veio da África para o
Maranhão. Com empenho e rompendo com todas as dificuldades de uma família
escravizada, ela consegue educar a filha Leonor, e depois Leonor consegue
educar Maria Firmina. E essa neta vai se tornar a primeira romancista
brasileira”, conta Agenor Gomes.
O prefácio do
livro foi feito pela crítica carioca Luiza Lobo, primeira pesquisadora que
levou a obra de Maria Firmina, há muito anos, para as universidades do eixo
Rio-São Paulo. “O Nascimento Moraes Filho (Maria
Firmina: fragmentos de uma vida,
1976) lançou o livro dele aqui, mas você sabe das limitações que tem as nossas
obras, os livros de autores maranhenses, de chegar no Sul. A Luiza Lobo vem
aqui da década de 1980, conhece Nascimento Moraes Filho, a obra, e ela então se
interessa pela obra, e chega no Rio e em São Paulo e consegue editar a primeira
edição atualizada de Úrsula, em 1988. Isso foi muito importante para a divulgação
da obra de Maria Firmina”, disse o autor.
José Ewerton
Neto, cronista, membro da Academia Maranhense de Letras, faz o posfácio; e a
orelha do livro ficou a cargo do desembargador Lourival Serejo, presidente da
AML. O patrocínio é da Academia Maranhense de Letras.
Dia da Mulher Maranhense
A vida, obra e
trajetória da romancista, inspirou o Dia da Mulher Maranhense, instituído pela Lei n° 3.754, de 27 de maio de 1976, -
sancionada pelo Governador do Estado do Maranhão Osvaldo da Costa Nunes Freire.
O Projeto, de autoria do Deputado Estadual vimarense Celso Coutinho, data de
1975, ano de comemoração do sesquicentenário de nascimento de Maria Firmina dos
Reis. Em 2017, a Lei 10.763/2017, sancionada pelo Governador do Estado do
Maranhão, Flávio Dino de Castro e Costa, alterou o artigo 1º da lei anterior
que trata da data de nascimento da escritora, passando de 11 de outubro de 1825
para 11 de março de 1822, com base em pesquisa documental, a pedido da Academia
Ludovicense de Letras – ALL.
Maria Firmina dos Reis é a patrona da
Academia de Letras da cidade de São Luís e sua obra mais famosa, “Úrsula”, além
de reconhecida, enaltecida, é de grande aceitação pelos literários. Uma mulher
fabulosa, descendente de escravos que tomou as rédeas da vida. Uma mulher à
frente do seu tempo, que rompeu barreiras e encanta com sua obra.
“Úrsula”, escrito em
1859, foi o primeiro romance abolicionista, o primeiro escrito por uma mulher
negra brasileira. O romance a consagrou como escritora e também foi o primeiro
da literatura afro-brasileira, entendida como produção de autoria
afrodescendente.
“Porque que ‘Úrsula’ chama a atenção? Os
escritores romancistas tratam o negro escravizado de forma absolutamente
subalterna. Os personagens eram seres sem discurso próprio, não falavam de si,
tinham um enredo menor. Aí vem Maria Firmina, escreve esse romance, história de
dois namorados, da sociedade aristocrática, escravocrata..., e em um capítulo
chamado ‘Preta Suzana’, ela embute aos personagens, negros escravizados o
discurso de sua própria ancestralidade. Ela fala do negro escravizado com ser
humano”, aponta o escritor.
Agenor Gomes, nascido em Guimarães, é
juiz de direito, membro fundador e titular da cadeira nº6 do Instituto
Histórico e Geográfico de Guimarães.
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