Relembrando Outubro de 71
* Patricia Cunha
Imagine se hoje você ouvisse no rádio a notícia de que objetos voadores não identificados estariam invadindo a terra, especificamente o Maranhão? Qual seria a primeira reação? Certamente iria buscar informações em outras fontes como internet, televisões, telefones... Mas na São Luís de 1971 não foi assim. O episódio que marcou o radiojornalismo maranhense ficou por muito tempo esquecido, vivo apenas na memória dos protagonistas da história e dos ouvintes da época.
Era dia 30 de outubro de 1971, uma manhã de sábado. A afirmação “O fato aconteceu é notícia!” marcou a abertura da vinheta do programa Repórter Difusora, boletim informativo que interrompeu em vários momentos a programação musical da rádio. Os ouvintes foram informados durante a programação da emissora sobre explosões acontecendo em vários lugares e de que naves estariam sobrevoando a terra.
“Alô estúdio, alô estúdio! Bom, agora já estamos em condições de falar novamente. Agora já não há necessidade de conter o grande número de curiosos. Está todo mundo bem longe; professor Galvão ainda está perto do objeto examinando, examinando... mas isso me parece muito perigoso. A coisa estremece como se fosse soltar algo (ruído). Tudo aqui por perto está começando a vibrar! É incrível, meus amigos! Está saindo um jato de fogo do objeto. Está tudo se incendiando” (trecho do livro que publica o script do programa).
O fato é que o caso causou comoção, espanto e temor na população. A cidade parou e o exército, em plena ditadura militar, ocupou as dependências da emissora. Seria o fim do mundo? O que realmente aconteceu, quem eram os atores dessa história, qual a repercussão disso? Esse capítulo importante da história do rádio está sendo revisitado com a publicação do livro Outubro de 71:Memórias Fantásticas da Guerra dos Mundos, organizado pelo professor doutor do Curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão, Francisco Gonçalves da Conceição.
Completando exatamente 40 anos da transmissão, o livro chega para comemorar também o aniversário de 45 anos da UFMA, 25 anos da Rádio Universidade e os 400 anos da fundação da cidade de São Luís, que será em 2012. “Nós conseguimos, com certeza resgatar um capítulo importante da história do rádio e com essa obra, tornar conhecido mundialmente o que ocorreu aqui em São Luís com a roteirização de Guerra dos Mundos”, informa Francisco Gonçalves.
A obra, cuja pesquisa começou em 2008, será lançada no próximo dia 26, às 19h, no Palácio Cristo Rei, pela Universidade Federal do Maranhão com apoio da Fapema (Fundação de Amparo a Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão). Resultado de um projeto de iniciação científica, Outubro de 71 foi produzido por Andréia de Lima Silva, Mariela Costa Carvalho, Rômulo Fernando Lemos Gomes, Sarita Bastos Costa, Aline Cristina Ribeiro Alves, Elen Barbosa Mateus, Kamila de Mesquita Campos e Karla Maria Silva de Miranda, na época, acadêmicos do curso de comunicação.
O livro, resultante da pesquisa, reúne roteiro de apresentação do programa, CD contendo o áudio recuperado da gravação original, pesquisa sobre a repercussão nos jornais locais da época, entrevista e depoimentos dos protagonistas da história, O resultado é um trabalho primoroso que já tomou conta da mídia nacional. O assunto incita a curiosidade das pessoas. Segundo Francisco Gonçalves pessoas do Brasil inteiro ficaram interessados na publicação.
Com essa obra, os pesquisadores preenchem uma lacuna nesse episódio. Segundo Francisco Gonçalves, devido à escassez de estudos sobre o programa local, constatou-se a necessidade de um projeto que organizasse fontes de pesquisa para o estudo deste fenômeno midiático. “O livro resgata esse fato e traz à tona os processos de produção radiofônica da época. Digo ainda que tem alguns méritos como o de mostrar a mudança midiática dos 60 e 70, quando a televisão ganha força; e por ser um trabalho de iniciação científica, ampliar a área de produção na comunicação. Essa pesquisa vai poder servir de subsídio inclusive para outras turmas da área da comunicação”, diz o professor.
Estratégia de marketing - Mas essa história começou bem antes. No dia 30 de outubro de 1938, Orson Welles dirigiu a transmissão de uma fictícia invasão da Terra por extraterrestres durante o programa Radio Teatro Mercury, da Columbia Broadcasting System (CBS), nos Estados Unidos. A adaptação radiofônica do livro A Guerra dos Mundos, do autor inglês Herbert George Wells, publicado originalmente no final do século XIX. A transmissão se tornou a mais famosa emissão de rádio da história e se tornou um marco no segmento da comunicação de massa por ter mobilizado e levado a pânico, pelo menos, um milhão dos seis milhões de ouvintes que estavam acompanhando o programa.
Essa experiência foi recriada na Rádio Difusora, da então bucólica São Luís. referência constante nos estudos sobre o poder dos meios de comunicação de massa. No dia 30 de outubro de 1971, para comemorar o aniversário da Rádio Difusora, outra versão de A Guerra dos Mundos foi transmitida, desta vez em São Luís e em plena ditadura militar, o que levou até tropas do exército a ocuparem a Rádio Difusora. A versão maranhense de A Guerra dos Mundos se transformou em um dos marcos da história do rádio e do jornalismo no Estado do Maranhão. Em 2004, um grupo de estudantes do Curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão, coordenado pelo professor Francisco Gonçalves, iniciou um trabalho de pesquisas e entrevista com personagens dessa história. Em 2011, para comemorar os 40 anos do programa, o grupo apresenta para a população e pesquisadores da área um livro e um CD com a versão editada do programa original. O livro Outubro de 71: Memórias fantásticas da Guerra dos Mundos é uma coletânea de entrevistas com integrantes do programa. O CD traz a gravação original editada da transmissão de 1971.Numa época em que as rádios passavam por um momento de apatia, perdendo espaço para a televisão, perdendo audiência e consequentemente os anunciantes. Era preciso fazer alguma coisa. À época o público trocava a radionovela pela novela e o rádio perdia para a televisão a capacidade de regular o cotidiano da população.
Foi então que Sérgio Brito, convidado pela Rádio Difusora para produzir um programa especial de aniversário de 17 anos da emissora, teve a ideia. A inspiração partiu de uma reportagem veiculada pela revista Ele&Ela que resgatava a adaptação radiofônica de A Guerra dos Mundos feita por Orson Welles, nos Estados Unidos, em 1938. Com carta branca para fazer qualquer coisa que levantasse a audiência da rádio, Sérgio Brito, para fazer a versão ludovicense do programa, realizou adequações espaço-temporais ao roteiro de Orson Welles, mas manteve os mesmos personagens, cujas vozes legitimavam diversas situações, inclusive as mais ficcionais.
Para dar mais credibilidade à transmissão uma diferença nos roteiros foi crucial. “Na transmissão de Orson Welles, foram utilizados atores. Aqui não, foram profissionais reconhecidos que deram total credibilidade ao programa. Apenas Reynaldo Faray atuou como ator fazendo três personagens. Não havia como duvidar. Sérgio Brito, Parafuso, Pereirinha, Fernando Melo, Bernardo Almeida, Rayol Filho, Zé Branco, Reynaldo Faray e J. Alves reuniram credibilidade e criatividade para tornar real uma história fictícia: a invasão da Terra por marcianos. O propósito de tudo era demonstrar, naquele começo de década, a importância e o valor do rádio”, pondera Francisco Gonçalves. Além disso o formato jornalístico e os efeitos sonoros foram fundamentais para dar veracidade ao fato.
Segundo o roteirista Sérgio Brito a intenção também era mostrar, com o programa, o poder que o rádio exercia sobre as pessoas. “Eu apresentei a ideia para os diretores da Difusora, com o argumento de que deveríamos levar ao ar um programa que fizesse a população retomar o interesse pelo rádio; que fizesse o ouvinte reconhecer: “Poxa, o rádio ainda é um veículo de comunicação importante! Não posso deixar de ligar o meu rádio”. Foi esse o objetivo do programa”, diz Sérgio em entrevista publicada no livro.
Os cenários mesclavam espaços geográficos globais e locais, tais como: Estados Unidos, Europa, Rio de Janeiro e Maranhão. Esta estratégia reforçava a dimensão mundial do fenômeno e justificava a participação de fontes internacionais nos boletins jornalísticos.
Durante a transmissão, intercalada por músicas clássicas, Reynaldo Faray interpretava os papéis dos cientistas Leonardo Galvão e Mário Corteline e o monólogo do “único homem vivo sobre a terra”; Sérgio Brito, o locutor da Rádio Repórter do Rio de Janeiro e, Fernando Melo, segundo Pereirinha, o dono da Fazenda Santa Marta. Segundo o livro, sobre o piloto do avião seguido por objetos desconhecidos, existem divergências: Sérgio Brito afirma que interpretou também esse personagem e Pereirinha
atribui a interpretação a Fernando Melo. Zé Branco, Bernardo Almeida e Rayol interpretaram a si mesmos como apresentadores dos programas Quem manda é você, O assunto é você e São Luís Hit Parade, respectivamente, assim como J. Alves interpretou J. Alves.
“Essa história de intercalar a música clássica é uma curiosidade, pois naquela época nos dias de finados, feriados santos ou que marcavam alguma coisa fúnebre, as rádios passavam o dia executando esse tipo de música. Já era tradição. Nesse dia (da transmissão) também as músicas veiculadas foram as clássicas o que conferiu mais veracidade ao fato”, recorda Francisco Gonçalves.
A história deu certo. A cidade parou. Famílias inteiras absortas no que fazer para esperar o fim do mundo buscavam se reunir. Ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos as pessoas não pensavam em sair da cidade. Até porque, imaginando que poderia ocorrer pânico nas saídas da cidade (embora a cidade fosse pequena e com pouco mais de 200 mil habitante), foram pensadas estratégias para evitar que isso ocorresse revelando que as naves estavam chegando em locais como, Cururupu, Campo de Perizes.
“Cururupu por causa de suas jazidas de areia monazítica, um mineral radioativo, lugar ideal para a descida de uma nave espacial. E Perizes para evitar pânico, já que se a população estivesse sabendo que a Terra estava sendo invadida, todo mundo ia querer fugir. Quais motivos? Eu disse que uma nuvem negra se aproximava e que ela era mortífera. Estávamos no início de outubro. E, coisa incomum para a época, que nesse dia o tempo ficou nublado em São Luís. Eu não imaginava que isso pudesse acontecer, mas aconteceu. Se o sujeito ouve que uma nuvem venenosa está se aproximando, olha para o céu e vê que ele está escuro, fica apavorado, né? Para complicar mais ainda a situação, uma esquadrilha de jatos que ia passando de Fortaleza para Belém, em voo de treinamento, tomou conhecimento do programa e resolveu descer no aeroporto de São Luís, fazendo um rasante sobre a cidade”, informa o roteirista Sérgio Brito.
Lendário e esquecido – São Luís de lendas e magias. Quem nunca ouviu falar disso? Pois é, naquela época então, essas lendas eram ainda mais marcantes. A lenda da serpente encantada que ia emergir e engolir São Luís; e ainda a lenda do Rei Dom Sebastião (na figura de um touro), na Praia dos Lençóis, que, emergindo, glorioso, das
profundezas oceânicas provocaria um maremoto que engoliria São Luís. Tudo isso estava no imaginário da população.
Com o anúncio de que alienígenas estariam chegando à terra misturava-se o irreal com o fictício. “Acho que dava para pensar isso mesmo. As naves extraterrestres, a serpente e o retorno do ‘escondido’ faziam parte de uma história em que as forças divinas mostravam o seu desagrado pela invasão do espaço sagrado de São Jorge. Acredita-se que a morada de São Jorge é a lua e que ele está combatendo o dragão. Também, não era pra menos: dois anos antes o homem havia pousado na Lua”, reforça Francisco Gonçalves.
Embora tivesse causado tanta comoção, o episódio ficou esquecido. Ao contrário de outras publicações, o que aconteceu em São Luís há quatro décadas não teve grandes repercussões fora da cidade. O livro é uma tentativa de inseri-lo no contexto das grandes histórias baseadas na obra de Herbert George Wells, no final do século passado. “Resgata uma história secular que marca para sempre o radio maranhense”, opina Francisco Gonçalves.
O episódio se destaca na mídia apenas em 1997, com uma matéria publicada no Jornal O Imparcial. A reportagem era fruto de um trabalho de disciplina do curso de Comunicação Social da UFMA, ministrada por Francisco Gonçalves. Mais tarde, em 2004, o tema volta a ser assunto em artigo científico do jornalista Ed Wilson Ferreira Araújo, o primeiro a tratar do assunto no meio acadêmico nacional.
Nas páginas e CD do trabalho realizado pelo grupo coordenado pelo professor Francisco Gonçalves os leitores poderão conhecer, ou senão, reviver um dos mais importantes momentos da história do rádio brasileiro.
Tudo volta ao normal - Embora o livro não se atenha ao estudo de recepção do público para com a notícia, as entrevistas feitas com os envolvidos na transmissão deixou bem clara que o público entendeu a mensagem: Mostrar a força que o rádio tem. “Começaram muitos comentários depois. Você sabe que não aconteceu nenhuma tragédia (risos). Com a minha idade, eu era muito irreverente com relação a essas coisas. Eu dizia assim: ‘Ah, vocês estão zangados porque o mundo não acabou, porque se tivesse acabado ninguém estava reclamando, né?’. Acho que o programa terminou talvez uma hora e pouca da tarde. Às três da tarde, chegou o choque do exército e mandou fechar a Difusora”, diz Parafuso em trecho do livro.
Graças à inserção, em duas partes da gravação, da vinheta “Difusora, ficção científica baseada em Orson Welles” a emissora não foi severamente punida. O artifício foi utilizado para driblar a censura e deu certo.
Segundo o livro, no domingo, dois dos principais jornais da cidade – Jornal Pequeno e O Imparcial – criticaram a Difusora pelo susto provocado na população. O título da matéria do Jornal Pequeno refletiu o sentimento do povo em relação ao episódio: “Fim do mundo do Bacelar”. O título de O Imparcial destacou o gênero e os seus efeitos: “Ficção científica alarmou a população”. O Imparcial relembrou o episódio dos EstadosUnidos para dizer que em São Luís os efeitos do susto foram muito menos graves, o Jornal Pequeno, por sua vez, teceu duras críticas aos produtores da versão ludovicense.
No dia seguinte à transmissão tudo voltava ao normal. O informativo feito às primeiras horas da manhã esclarecia tudo.
“Senhoras e senhores, esta é a Difusora em tempo de liderança no primeiro dia de seus 17 anos de dedicação exclusiva aos lares maranhenses. Aqui estamos para assegurar que A Guerra dos Mundos não foi mais que um divertimento de fim de semana.
A única maneira que a Difusora encontrou para mostrar a todos o valor que o rádio continua a ter no mundo moderno. Marcar o papel do rádio nos lares, em todos os momentos. Marcar o papel do rádio no dia a dia de nossas atividades; até mesmo em um final de semana como este, um fim de semana que, para nós, começa alegre, festivo, porque mais um ano se prenuncia nesse nosso incessante labutar em favor dos lares do Maranhão” (trecho do livro).
A Guerra dos Mundos
Herbert George Wells foi reconhecido por muitos como um das maiores mentes do século 20. Ele escreveu muitos romances de ficção científica; também predisse muitas das máquinas de hoje inclusive tanques e a bomba atômica. A Guerra dos Mundos combina sátira política com a advertência aos perigos do progresso científico. O escritor utilizou de muitos artifícios para dar ao livro um efeito realístico, considerado na época da publicação, uma obra perigosa, podia criar fobias em seus leitores - muitos acreditaram em uma possível invasão de Marte.
Dia das Bruxas
O livro foi usado por Orson Welles na Rádio Mercury Theate numa transmissão para Dia das Bruxas do ano de 1938. A radiodifusão literalmente assustou muitos mericanos, levando alguns até mesmo ao suicídio. A transmissão feita por Orson Wells ocupou várias manchetes do mundo.
Trechos dos entrevistados
José de Jesus Brito - Sérgio Pinto (Roteiro)
“Todo mundo, em São Luís, ficou como se estivesse hipnotizado. Ninguém se dava conta de que poderia não ser verdade aquilo que estava sendo noticiado. Ninguém pensava em sintonizar uma emissora de rádio de São Paulo ou do Rio, para ver se elas estavam dando as mesmas notícias.”
“Em determinados momentos, eu entrava na fita dizendo: “Estamos apresentando um programa de ficção científica baseado em H.G.Wells”. A cada vinte minutos, repetia: “Estamos apresentando um programa de ficção baseado em H.G. Wells”. Isso foi a salvação da gente. No inquérito que a Aeronáutica abriu, em decorrência da passagem dos jatos por São Luís, o comandante da esquadrilha insistia: “O pessoal que fez esse
programa vai pagar caro”.
Manoel José Pereira dos Santos – Pereirinha (Direção Técnica)
“Todo ano, nós procurávamos alguma coisa para colocar no aniversário da rádio, que era 29 de outubro, porém o programa somente foi ao ar no dia 30, que era um sábado, um dia melhor para se captar mais audiência do que na sexta feira. Me lembro bem porque era dia do meu aniversário e eu fazia 21 anos. A Difusora, como as outras rádios daqui, tinha a mania de achar que aqui não tinha talento para tocar o rádio”.
“Nós tínhamos uma vinheta para chamar a atenção das pessoas. Aquilo foi criado ao longo dos anos: ‘O fato aconteceu, é notícia na Difusora. A mais poderosa emissora do norte do Brasil’. Na hora que tocava aquela vinheta, todo mundo ia escutar o rádio, saber o que tinha acontecido; provavelmente, alguma coisa ruim. Já era uma característica e nós, claro, aproveitamos isso para poder chamar a atenção das pessoas devagar, ao longo do desenvolvimento do programa, feito realmente de propósito para isso”.
“Nós, que estávamos dentro do estúdio, não sentíamos muito essa pressão; sabíamos porque iam dizer para gente, mas eu estava pouco ligando. Como o objetivo era exatamente esse, eu estava achando um máximo. Eu achei que não fosse tão grave. Inclusive, quando vieram me falar que um grupo de bombeiros tinha ido para Campo de Perizes, eu disse: ‘Ah, é brincadeira, eu não posso acreditar que os bombeiros tenham ido para Campo de Perizes’”.
José de Ribamar Elvas Ribeiro – Parafuso (Sonoplastia)
“No estúdio, era tudo no clima de rádio. Todo mundo foi trabalhando bonitinho. Agora, lá fora que o efeito tava surtindo. Teve gente que desmaiou, teve gente que saiu correndo; estava no cabelereiro e saiu correndo pra ir para casa, entendeu? Correndo porque achava que ia morrer e largou pela metade o cabelo. Quem tava no cinema saiu correndo; quem tava no bar saiu correndo pra casa”.
“Mas mexeu com o público de tal maneira que, nessa hora do programa, a audiência foi 100%. Não tinha ninguém ligado a não ser na Rádio Difusora. Daí ganhou-se a audiência e provou-se que o rádio era mais eficiente do que a televisão, como até hoje continua sendo. Pra mim, rádio AM é muito mais importante. Agora não, porque todo mundo está no satélite”.
“Hoje não se faria mais porque não tinha mais graça. Eu acho que não, você fazer um programa específico. Ah, vou fazer um programa de fim de mundo. Aí: “Senhores, tá havendo um fim de mundo”. Não, ninguém vai anunciar isso. O gostoso daquele programa foi o acidental. Ninguém tava esperando e entrou um flash: “Tá havendo não sei o quê”. Aí começou. O cara começou a ter medo. Pra fazer isso hoje de novo, eu não acho aconselhável; podia morrer gente mesmo”.
José Faustino dos Santos Alves - J. Alves (Reportagem)
“Foi um teste de audiência. Porque, por exemplo, na véspera, através da própria televisão, anunciaram: “Amanhã, programação especial em comemoração ao aniversário da Rádio Difusora”. Só que ninguém falou o que era. Quer dizer, nós sabíamos; agora o público lá fora não sabia.
“Minha mãe dificilmente ouvia rádio, não tava nem aí. Agora, uma cunhada minha e uma amiga foram lá na rádio, porque eu termino morrendo no final da história. Aí chegaram lá e eu estava na maior cara de pau, sentado lá no pátio. Aí me esculacharam, porque levaram um susto muito grande. Teve um amigo também. Ele estava em Pedrinhas e, no momento, ele não se tocou ouvindo a rádio e resolveu ir lá no Campo de Perizes pra ver o quê que estava acontecendo. Quando ele chegou na Estiva, tudo tranquilo, sem nenhum problema; aí ele olhou pra um lado, olhou pro outro, aí que ele foi se lembrar: “Guerra dos Mundos”. Aí ele voltou e depois me esculachou também”.
“Eu fui saber depois que esse mesmo programa tinha sido levado a efeito nos Estados Unidos e que, se não me falha a memória, foram cinco ou sete pessoas que morreram, porque era todo mundo querendo sair da cidade ao mesmo tempo, e aí deu um problema tremendo e morreu gente. E aqui, graças a Deus, não morreu ninguém. Muita gente foi parar no hospital, mas graças a Deus não morreu ninguém”.
José Marinho Raiol Filho - Rayol Filho (Locução)
“O problema aí é que não se começou com uma semana de antecedência: “Olha, nós vamos apresentar Guerra dos Mundos dia tal, assim, assim”. Ou, então, no dia do programa, que era no meu programa, dizer: “Estamos iniciando agora com a Guerra dos Mundos e tal”, porque se não aí ia tirar o efeito do negócio. Então, foram umas noticiazinhas sutis e tal: “Há uma coisa aparecendo no céu. Tá acontecendo não sei o quê”. Quer dizer, só pra começar a alertar o ouvinte: “Pô, que diabo que será?”. A gente não sabia se o cara ía na janela pra olhar ou então: “Que diabo é isso que o rádio tá dizendo aí?”
“A gente sabia que ia causar certa celeumazinha, um negócio assim. Quando estava terminando o programa, começou a chegar gente interessada em querer saber o que realmente estava acontecendo. Aquele negócio todinho: “Gente, o programa tem audiência!”.
“Eu tenho pra mim que se tivesse outro tipo de programa com o mesmo valor artístico, acho que a gente faria novamente. Não no estilo Guerra dos Mundos, mas um programa de causar impacto, entendeu? De teste de audiência. Agora que se pode fazer nessas rádios daqui teste de audiência. É uma época boa de fazer.
Trecho do livro
O clima de tensão aumentou na proporção das sequências musicais do São Luís Hit Parade e com o deslocamento de J. Alves e do técnico Heracias Bezerra para o Campo de Perizes, onde um objeto voador não identificado teria aterrissado. Desse modo, a audiência foi informada de que o Maranhão havia entrado na lista dos locais atacados pelas naves alienígenas.
Os ouvintes acompanharam os boletins informativos simulados por J. Alves, dando conta do deslocamento do aeroporto até o Campo de Perizes em helicóptero; da entrevista com o proprietário da fazenda Santa Marta, onde teria caído o objeto não identificado; e da entrevista com o professor Galvão, que se encontrava no local. O ritmo dramático aumentou quando J. Alves informou que tudo começava a vibrar e que estava saindo um jato de fogo do objeto. Sem mais contato com o repórter, o locutor informou a interrupção das transmissões e tentou acalmar os ouvintes:“Senhoras e senhores, por motivos alheios à nossa vontade, somos obrigados a interromper esta transmissão diretamente de Perizes. Ao que tudo indica, houve problemas com nosso repórter Jota Alves e com nosso técnico Heracias Bezerra. Informamos às famílias desses companheiros que estamos tomando todas as providências, no sentido de trazê-los para São Luís, caso estejam acidentados. Pedimos a todos que se mantenham calmos, pois de nada vai adiantar o pânico. Estamos sendo avisados que Peritoró e Caxuxa estão sofrendo terrível engarrafamento de tráfego. Portanto, qualquer tentativa de saída desta capital é impraticável. Somos obrigados a rodar, a partir de agora, apenas música clássica”.
Equipe
Francisco Gonçalves da Conceição
Aline Cristina Ribeiro Alves
Andréia de Lima Silva
Elen Barbosa Mateus
Kamila de Mesquita Campos
Karla Maria Silva de Miranda
Mariela Costa Carvalho
Romulo Fernando Lemos Gomes
Sarita Bastos Costa
Autores
Foram entrevistados José de Jesus Brito, o Sérgio Brito (roteirista), José de Ribamar Elvas Ribeiro, o Parafuso (sonoplasta), Manoel José Pereira dos Santos, o Pereirinha (direção técnica), José Marinho Raiol Filho, o Rayol Filho (apresentador do programa São Luis Hit Parade7) e José Faustino dos Santos Alves, o J. Alves (repórter).
Dados da pesquisa
Iniciada em 2005
9 estudantes envolvidos
Livro contém 240 páginas
Áudio contém 1 hora e 7 minutos de duração de programa
*Texto publicado no Jornal O Imparcial em 23 de outubro de 2011
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